Baseado no livro Hiperfoco, de Chris Bailey[i].
Para começar a falar sobre o livro, noto que o subtítulo não
faz jus ao conteúdo: "Como trabalhar menos e render mais". Parece
um manual para executivos focados em produtividade. Na verdade, é muito
mais do que isso. Há um comentário na contracapa que bem poderia
ser o subtítulo e que eu gostaria de tomar como núcleo para esta resenha:
"Tornar-se mais produtivo não tem a ver com
gerenciamento do tempo, mas sim com gerenciamento da atenção” (Adam Grant).
Quem estudou algo sobre o Quarto Caminho, um ensinamento milenar
traduzido para a mente ocidental por G.I.Gurdjieff e P.Ouspenski na primeira
metade do século XX, entende que uma evolução real do ser humano só é possível através
do trabalho interior, e que esse trabalho conjuga basicamente um esforço de
autoconhecimento e o desenvolvimento de uma vontade real, que nada tem a ver
com desejos. Ora, seguir um trabalho interior só é possível por meio de um
gerenciamento eficiente da atenção. E, surpresa! Atenção é o artigo mais em falta
nesta época cheia de estímulos em que vivemos. Como, então, trabalhar
interiormente no sentido de tornar-se o Eu Real e cumprir nossos desígnios, ao
invés de passar a vida adormecidos?
A atenção é o nosso instrumento primordial, é o nosso
polegar opositor, o que verdadeiramente nos distingue dos animais. Nesse
sentido, o livro de Chris Bailey não é apenas um manual para gerenciar
melhor as tarefas da empresa e ser mais produtivo. Ele abrange muito mais que a
esfera meramente profissional. Saber gerenciar o foco da nossa atenção é
indispensável para desenvolver nossos potenciais e metas de vida, e assim
crescer como indivíduos.
É nessa direção que me propus a dar uma pequena amostra do
que trata o livro, dentro do meu aproveitamento pessoal. Espero que ele possa
atingir muitas pessoas com a luz que trouxe para meu próprio modo de pensar.
***
Nossa vida é constituída por aquilo em que pomos nossa
atenção. E o que nos impede de colocar nossa atenção naquilo que é bom para
nós, para o nosso trabalho, nossa saúde, nossos relacionamentos? Enfim, para
nossas metas na vida? A verdade é que nossa atenção tem a qualidade de uma
borboleta, que vai para onde quer, sem foco nem constância. Certamente existe
um propósito para a borboleta pousar de flor em flor para obter todo o néctar
que puder: esse é o seu foco mais eficiente. Mas para nós, humanos, saltar de
uma tarefa a outra, de uma distração a outra nos deixa com uma sensação de
frustração por não conseguirmos concluir nada. Sentimos que nosso potencial
está sendo desperdiçado e, como a vida é uma só, nossa vida está sendo
desperdiçada.
O mais dramático dessa situação é que hoje em dia ela é a
base comum em que todos nos movemos, não importa qual seja nossa ocupação.
Nossos smartphones, as plataformas de multimídias, as ofertas de diversão tão
valorizadas para nossa inserção nos grupos sociais - tudo isso sequestra nossa
atenção o tempo todo. Quando nos lembramos do que queríamos ou pretendíamos
fazer, dizemos que "não temos tempo".
O livro de Bailey vem nos mostrar algo muito simples, mas
fundamental como o ovo de Colombo.
Pensemos quantas vezes, quando estamos nos divertindo ou
simplesmente relaxando, nos cobramos por não estar fazendo algo útil? E quantas
vezes, na mão contrária, lamentamos o tempo que temos de trabalhar ao invés de
tirarmos umas boas férias, fazer algo agradável ou ficar no ócio? Somos
assim mesmo, nunca estamos plenos naquilo que fazemos. Mas isso é pelo fato de
não entendermos em qual modo nossa atenção está. O autor de Hiperfoco
afirma que temos dois tipos principais de foco: o Hiperfoco, que é como ele
chama a concentração num dado assunto, trabalho, situação, etc., e o Foco Disperso,
que é o modo de atenção vaga, ou distribuída, digamos, por aquilo que acontece
à nossa volta ou no nosso interior, sem um alvo definido. Assim, trabalhar é
estar no hiperfoco; divagar é estar no foco disperso.
É fácil exemplificar. Enquanto escrevo esta resenha estou em
Hiperfoco, concentrada nas ideias que absorvi e que poderão traduzir o essencial do livro para quem não o tiver lido. Daqui a pouco vou me sentar para almoçar na companhia de alguém, certamente vamos apreciar a comida, o ambiente, conversar sem
objetivo, ouvir música. Eu então estarei no modo que o autor chamou de Foco
Disperso. Parece óbvio, mas antes de poder gerenciar é preciso reconhecer
claramente o modo de funcionamento da nossa mente. Isso significa estar
presente, viver no presente, que é, em última instância, o único significado de
estar vivo. Só nos lembramos daqueles momentos em que estivemos presentes,
conscientes de nós.
Grande parte do livro é dedicado a conselhos e dicas para
ficar em Hiperfoco, driblando as distrações. Num estilo popular, Bailey vai
desfiando estratégias, como deixar o telefone celular fora da sala de trabalho,
ou no modo avião, para não ser interrompido por mensagens, e-mails e
publicidade; permitir-se pausas para recarregar as energias mentais e outras.
Nada de muito novo, a não ser algo fundamental: precisamos nos planejar. Nosso
cérebro tem uma capacidade enorme de desempenho se o mandamos fazer algo. Uma
mente ociosa vai naturalmente vagar ou andar em círculos, como, perdoem a
comparação, um cachorro sem dono. Determinar para nós mesmos o que vamos fazer,
e em que horário vamos fazer, é o começo de uma nova vida, menos frustrante e
mais satisfatória.
Mas é sobre o desprestigiado Foco Disperso que recebemos uma grande notícia. Somente quando não for intencional é que ele será nocivo ou pura perda de tempo. Lembram-se dos antigos aconselhamentos de ter “pensamento positivo”? Penso que era isso o que se estava intuindo, mas ainda sem entender que o pensamento positivo ou negativo se referia ao Foco Disperso. Bailey faz essa distinção, mostrando que nem toda divagação é inútil. Pelo contrário, ele mostra o quanto necessitamos desses momentos de foco disperso. Às vezes é nesse foco que enxergamos num relance a solução de problemas que parecíamos não ver quando estávamos debruçados sobre eles. É no Foco Disperso também que as ideias isoladas se conectam em nossa mente, solidificam nosso conhecimento e formam as bases para a criatividade. Nunca mais o tal diabinho em nosso ombro direito vai nos criticar por obedecer ao do ombro esquerdo e sair para dar uma longa caminhada na natureza, sem motivo ou razão aparente, simplesmente por... nada. Aliás, já repararam como, agora que temos uma câmera fotográfica disponível no celular, não resistimos à tentação de fotografar tudo o que vemos durante nossas atividades no modo Foco Disperso? Não será um meio subconsciente para tentar justificar nosso ócio, dizendo a nós mesmos que temos, sim, uma finalidade? No nosso mundo distorcido, tudo parece só ter sentido se produzir algo, como uma foto para postar. Perdemos nossa capacidade de simplesmente sentir as coisas. Ao dar um passeio com a intenção de relaxar, por exemplo, ou de conhecer o lugar, ou de movimentar o corpo, estarei no modo Foco Disperso, mas motivado. Dessa forma despreocupada, posso me manter intencionalmente conectada com as impressões que estiver recebendo do ambiente ou com meus próprios pensamentos, sentimentos e sensações. É quase uma forma de meditação.
O Foco Disperso pode, e deve, portanto, ser buscado
intencionalmente. Ele é também uma poderosa fonte de recarga das nossas
energias mentais. Há muitas coisas geralmente prazerosas que fazemos nesse
foco: passeios, todo tipo de lazer, música, conversas, um hobby, uma leitura, e
assim por diante. Tudo isso que é fundamental para nossa saúde mental, também vai
determinar, na outra ponta, a boa qualidade do nosso trabalho em Hiperfoco. Como
se os dois tipos de focos correspondessem à respiração. No Foco Disperso você
recebe impressões e energia – é a inspiração. No Hiperfoco você expressa o
resultado das conexões feitas em sua mente na
forma de um trabalho – é a expiração.
Outra noção interessante do livro é a de “espaço
atencional”. O que é isso? É tudo o que habita nossa mente num determinado
momento, quer sejam impressões recentes ou informações já cristalizadas na
forma de conhecimento. Nesse sentido, fazer muitas coisas em Foco Disperso
tende a aumentar muito a abrangência do nosso espaço atencional, o qual estará
muito mais recheado de coisas úteis que vamos necessitar na hora de fazer nosso
trabalho em Hiperfoco. Percebeu a importância de ler, estudar, viajar? Tudo vai
estar lá no seu espaço atencional quando precisar. Por outro lado, Bailey diz
uma frase que grifei com lápis em meu livro: gente bem-sucedida cuida muito bem
do que deixar ou não deixar entrar em seu espaço atencional. Se não queremos
ter lixo em nossa casa, vamos deixar que entre lixo em nossa mente?
Por fim, recomendo a leitura para um aproveitamento mais
didático das ideias de Bailey. Quantas horas e em que período vou
me dedicar hoje a meu trabalho em Hiperfoco? Quais períodos dedicarei a atividades em
Foco Disperso? Planejar o nosso dia ou nossa semana levando em conta em qual
modo de foco estaremos nesta ou naquela tarefa é o princípio de um trabalho de
organização interna. Sem ela, corremos o risco de chegar ao final da vida
sentindo que carregamos um balde furado e não conseguimos
transportar nada. O balde é a nossa atenção.
FIM
Para visualizar todas as postagens, clicar em:
https://tesskuano.blogspot.com
Que ótima reflexão! Equilibrar os dois tipos de focos, disperso e hiperfoco é o equilíbrio perfeito.
ResponderExcluirBem interessante. Chamo a atenção para uma expressão utilizada "passar a vida como adormecidos". Lembrou-me um livro que li há muito tempo: O Despertar dos Mágicos , de Louis Pawells e Jacques Bergier. Aliás, se não me engano, o livro faz referência a Gurdjieff. O livro apresentado na resenha parece bastante útil. Carlos
ResponderExcluirSenti-me aliviada por saber que não é de todo ruim a atenção dispersa e motivada por perceber a importância de nossa decisão ao escolher em que direcionar nosso foco. Obrigada!
ResponderExcluir