quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O Sentido da Vida


Se não sufocarmos no berço esta pergunta, ela nasce junto com a nossa capacidade de pensar e não nos abandonará até deixarmos este mundo: qual é, no fim das contas, o sentido da vida... ? The life is crazy!?
 
O SENTIDO DA VIDA

 

HOJE NÃO É IGUAL A ONTEM, NEM FICARÁ IMUTÁVEL AMANHÃ.

A VIDA NÃO CABE EM DEFINIÇÕES NEM IMAGENS:

HOJE ELA É UM RIO,

ONTEM FOI MOLÉCULA DE ÁGUA,

AMANHÃ SERÁ UM DILÚVIO...

A VIDA MUDA PARA NÓS

COMO A LUZ MUDA O SEU REFLEXO COLORIDO

NUMA GOTA DE ÁGUA.

O LÍQUIDO É O MESMO, MAS NOSSO OLHAR,

DIANTE DA LUZ QUE DÁ VIDA

AO MUNDO E O FAZ EXISTIR, NUNCA SERÁ O MESMO.

É O NOSSO OLHAR QUE FAZ A VIDA TAL QUAL A VEMOS...

NÃO É O OBJETO VISTO, PORTANTO,

QUE TEM IMPORTÂNCIA, MAS O SUJEITO QUE O PERCEBE,

O “SER” QUE VIVE E VÊ A VIDA

E, PRINCIPALMENTE, A LUZ QUE NÃO DEPENDE DE NADA,

EXISTE NA ETERNIDADE.
 

MOCK/25/12/14

 

Natal:
 

O nascimento do Cristo é o renascer do espírito. O ressurgir da esperança. A possibilidade divina do novo, no meio do que já estava endurecido e morto, ou se converteu somente em palavras vazias.

Diante do Divino Menino recém-nascido só tem lugar neste momento o silêncio, a contemplação... Transformar o nosso coração em um vaso para receber a bênção da Sua Presença, não porque tenhamos feito algo para merecê-lo, mas porque é infinito o Amor de nosso Criador.

Saudemos a Presença de Cristo em nossa vida, e mesmo conhecendo a nossa fraqueza, manifestemos o firme propósito de permanecermos Nele, como Ele em nós.

Neste Natal abençoado deixamos ir embora todas as mágoas e revoltas e nos tornamos como os 3 Reis Magos: atravessamos os desertos de nossas vidas cotidianas para vir depositar aos pés do Rei dos Reis o mais valioso presente: nosso próprio coração.

 
Um Feliz Natal e um Ano Novo iluminado! Marcia.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014


O Natal é a lembrança do caminho...

 

Sim, o natal é uma bela festa para se reunir, ver pessoas que estavam distantes, comprar coisas bonitas, comidas diferentes... Enfim, comemorar a alegria de estar vivo e ter chegado inteiro ao fim do ano. Mas, na minha forma de ver, o melhor que existe no natal é lembrar que Cristo não nasceu lá em Belém, no passado distante, mas está nascendo aqui e agora, dentro de nós, se assim permitirmos.

O que isto significa? O nascimento de Cristo em nosso coração significa um despertar para o verdadeiro significado do nosso ser. Significa lembrar que nós somos seres divinos, semelhantes ao Pai Eterno e desejar viver de acordo com o Projeto Divino para nós.

Foi-nos dada a escolha entre dois caminhos: ou aproveitar esta vida e viver em luta e competição, ou viver neste mundo, mas não “ser” deste mundo. A última opção significa ter uma mirada para o significado mais alto da existência, esforçar-se para se elevar espiritualmente, e não se conformar com o mero jogo da satisfação dos desejos, seguindo a maioria.

Para nos ajudar nessa tarefa, em todas as épocas surgiram pessoas iluminadas que vieram a este mundo com a missão de esclarecer e guiar. Buda foi um desses seres especiais que nos deu sua sabedoria com todo amor, pois a sabedoria deste tipo não é de ninguém, apenas é transmitida do Alto por meio de alguém. Pode parecer incoerente falar de Buda na festa de Cristo, mas não é, se nos lembrarmos de que todos são iguais perante Deus e a única coisa que realmente conta na hora da nossa morte é o quanto nós O amamos de fato durante a vida.

Um de seus ensinamentos é chamado “O Caminho de Buda”. Porque não basta ir à missa ou realizar mecanicamente o que as religiões ensinam. É preciso esforçar-se interiormente para realmente mudar a situação do nosso ser. Elevar-se significa elevar o nosso estado de consciência. Para isso precisamos ter uma honestidade e uma sinceridade conosco mesmos que é muito difícil, pois ninguém gosta de enxergar seus defeitos; é muito mais fácil justificar-se e colocar a culpa em alguém ou no mundo. Aperfeiçoar-se justamente dentro da nossa forma peculiar de ser é a única forma de seguir o “caminho de Buda” na direção do projeto divino para nós, diferenciando-nos de nossos irmãos animais.

De acordo com isso é que faço desse ensinamento o meu cartão de Natal para você, irmão/irmã, e lhe desejo, no sentido interior, um Natal divino!


O CAMINHO DE BUDA

Neste método de trabalho interior utilizamos cada dia da semana para trabalhar um aspecto em nossa vida. O mais importante é nos observarmos honestamente em cada um desses aspectos, e se tiver de acontecer uma transformação, ela acontecerá. Depois de findo o dia, antes de dormir, deveremos rever tudo como em um filme: como nos sentimos, quais foram nossas dificuldades e sucessos, coisas que descobrimos de nós mesmos e dos outros, etc.

 

SEGUNDA-FEIRA Dia da Palavra

Fale somente o que for bom e necessário.

 

TERÇA-FEIRA – Dia da Harmonia

Procure relacionar-se harmoniosamente com tudo e todos.

 

QUARTA-FEIRA – Dia da Decisão

Seja decidido em tudo o que fizer, sem dúvidas ou hesitações.

 

QUINTA-FEIRA – Dia do Pensamento

Reflita, pondere, tente compreender, analise tudo.

 

SEXTA-FEIRA – Dia da Organização

Aproveite para organizar sua agenda, seus armários, suas contas, tudo.

 

SÁBADO – Dia do Esforço

Sem preguiça pegue no pesado, faça faxina, dê conta do trabalho necessário.

 

DOMINGO – Dia da Compreensão

Procure colocar-se no lugar de cada ser, esforce-se para compreendê-lo, sem julgar.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

LEITURAS


“A ALQUIMIA E A IMAGINAÇÃO ATIVA” – Instrumentos para estudar as ideias contidas em Gurdjieff.

 
Ao ler os livros que o Sr.  Gurdjieff nos legou, sobretudo os “Relatos de Belzebu a seu Neto” surge inequívoca a sensação de que todo o seu ensinamento se baseia na Alquimia. Porém, como estabelecer esse paralelo, se os antigos textos da alquimia têm uma linguagem estranha a nós, que além de propositalmente enigmática, vem de um tempo anterior à psicologia e à ciência?

Acredito que uma forma de fazer essa aproximação seja através da interface da psicologia de Jung com as leis da alquimia. Carl Jung construiu toda a sua obra monumental estudando e traduzindo antigos textos alquímicos, e muitos dos conceitos que introduziu na psicologia provêm daqueles registros. Sua principal discípula e colaboradora, Marie-Louise Von Franz, em 1969 proferiu uma série de palestras que foram transcritas e transformadas em livro sob o título “A Alquimia e a Imaginação Ativa”(*).

O trabalho de Von Franz constitui uma ferramenta preciosa para nos aproximarmos do ensinamento de Gurdjieff, justamente na medida em que toma como objeto de estudo um texto alquímico de Dorn, discípulo de Paracelso, traduzindo-o à luz dos inegáveis avanços de Jung no conhecimento da psique e seu funcionamento. Uma das vantagens desse método comparativo é que muitas das teorias junguianas são bastante compreensíveis para nós, algumas até bem familiares, como a sincronicidade, o inconsciente coletivo, as projeções, a leitura dos sonhos, a imaginação ativa, etc. Esses conceitos ocidentais modernos podem nos aproximar das ideias contidas nos ensinamentos desde que observemos a devida perspectiva e a diferença da linguagem. Jung traduziu os alquimistas buscando entender a psique do homem; Gurdjieff utiliza-se em diversos momentos da linguagem dos alquimistas para definir objetivamente, isto é, enquanto ciência objetiva, o Homem e o seu papel dentro do Todo.

Guardadas as devidas proporções entre a psicologia de Jung e o ensinamento esotérico de Gurdjieff quanto ao âmbito do conhecimento a que pertencem, muitos paralelos podem ser traçados. O raio de criação, os sete graus de evolução do homem, a correspondência entre macrocosmo/universo e microcosmo/homem, as diferentes etapas da “obra” que corresponde à separação, purificação e finalmente solução, bem como a correspondência dessa obra nos materiais naturais (metais) e internamente, no homem; a meta final de unificar os três elementos - espírito, anima e corpo, ou os três centros – mental, emocional e motor, e muitos outros...  Percebemos que são conceitos de uma sabedoria humana antiquíssima, perdida e reencontrada muitas vezes, captada pelos alquimistas e abandonada quando do advento da ciência química convencional. De alguma forma esses elementos foram apreendidos e decodificados por Jung na elaboração de sua teoria psicológica, a qual, por essa razão, deriva de bases sólidas. Gurdjieff baseou-se neles para formular seu ensinamento ao homem ocidental moderno, tendo-os desenvolvido largamente após experimentar em si mesmo etapas avançadas da “obra alquímica”, a cujo resultado ele chama de “homem desperto”.

Pensamos que é possível confrontar os conceitos similares dos alquimistas, de Jung e de Gurdjieff, o que seria acender mais um facho de luz na escuridão. Evidentemente, as críticas dessa notável cientista não esgotam toda a significação do texto alquímico, nem ela se propõe a adentrar em suas esferas mais esotéricas. Minha impressão de leitura é que, embora Marie-Louise o explore de forma original e profícua, ela se detém justamente na fronteira da significação do texto alquímico - justamente o objeto das práticas em Gurdjieff. Por isso, em alguns momentos – e peço perdão pela imodéstia -, como aprendiz de Gurdjieff sinto que compreendo mais do que a autora.

Bem, com todo esse material em mãos, é preciso começar a trabalhar sem demora... Comecemos fazendo as perguntas que sempre quisemos fazer, mas o método oriental do mestre não nos permitia querer cortar caminho. Perguntemos, enfim: o que se pretende ao fim desse trabalho? (Há nos "Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido" um capítulo dedicado a especulações que os discípulos fazem sobre a meta de cada um quanto ao trabalho, mas nada é respondido). Quais são os pressupostos para que alguém o empreenda? Quais são os riscos? E se eu não conseguir? Como isso tudo dialoga com os conceitos do cristianismo, tão firmemente arraigados em grande parte de nós? Por exemplo, se para mim faz grande sentido o conceito de “pecado”, o que significa “pecado” dentro da linguagem do ensinamento? Quando se pertence a um grupo sob a orientação de um mestre, quais etapas do trabalho alquímico estamos realizando em nós? Em que ponto dessas etapas estamos agora, pressupondo que, embora pertencendo ao grupo, cada membro realiza em si mesmo o seu próprio trabalho? Do ponto de vista dessa grande teoria alquímica, o que é o corpo? Da mesma forma, o que são os cinco centros e como estes se relacionam com a Alma, com o Corpo e com o Espírito? O que quer dizer “unificar os três centros”? Qual o papel desempenhado pelo centro magnético e a partir de qual etapa ele se constela? O que seria equivalente ao conceito da pedra filosofal?

E assim por diante, perguntas e mais perguntas para as quais a vida inteira será bem vivida se a empregarmos buscando as devidas respostas.

Recomendo a leitura:
Marie-Louise von Franz, "A Alquimia e a Imaginação Ativa",  Cultrix, 1998

 

 

 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

SANTA BANALIDADE

"MEDITAÇÃO DIÁRIA!"
Desvie-se das influências mundanas banais e desarmônicas. Mesmo que à primeira vista pareçam fortes, mais cedo ou mais tarde se curvarão diante das forças celestes criativas, benéficas e harmônicas.
Mantenha-se íntegro, firme, no eixo, e não terá nada a temer.

Paulo e Lauro Raful


Recebi outro dia essa maravilhosa mensagem e ela veio traduzir de forma cristalina um sentimento que eu experimentava de modo confuso, o de que estamos vivendo mergulhados em um oceano de influências de toda ordem  que são predominantemente fúteis, preconceituosas e desarmônicas, mas não nos damos conta justamente porque estamos "mergulhados", fazemos parte delas como as gotas de água no mar.

Existe um "pensar" que se comunica velozmente entre todos pela internet e pelas mídias que é o nosso pensar mais banal, uma repetição exaustiva de conceitos, modismos, propaganda passada adiante sem refletir, preconceito, ignorância que se traveste de conhecimento, emoções negativas que se travestem de conselhos, e por aí vai...

As redes sociais são um espelho nítido da banalidade da nossa comunicação diária, que além de não criar nada de novo e repisar e banalizar o velho, ainda não deixa espaço para recebermos nenhuma influência realmente nova e viva, porque estamos ocupados demais, absortos demais em nossas babaquices...

A internet é hoje o grande mental coletivo do nível mais ordinário, o mental associativo e burrinho que não sabe pensar por si próprio, mas ama tagarelar infinitamente e arrotar conhecimento! Oh! Ele sabe tantas coisas... Sabe a utilidade das cenouras para o bronzeamento da pele, sabe que Brigitte Bardot não se cuidou e ficou uma velhinha feia, sabe que Fulano e Beltrano saíram para jantar ontem e Sicrano está viajando pela India...

Oh! Deus! Tantas coisas atulham as salas do nosso mental no dia a dia que mal temos tempo de pensar na única coisa que realmente importa: estamos vivos e...! As reticências não têm mais espaço em nossa vida, a abertura do nosso mental para o silêncio interior causa mais medo do que os perigos das ruas, que a televisão repete e eterniza... Se fosse somente medo, ainda seria compreensível... Vá lá que ninguém é muito valente mesmo... O pior é que temos vergonha de nos abrir às lacunas, às reticências, ficar quieto por um dia, admitir que não sabemos absolutamente nada do que realmente importaria saber... Queremos ficar "bem" com os outros tagarelas.

E eis uma mensagem de sabedoria que coloca o dedo na ferida: "desvie-se das influências mundanas banais e desarmônicas..." Temos "cojones" para isso? Podemos nos desligar por vontade própria ao menos uma parte do tempo desse grande cérebro coletivo da sociedade que é como uma nuvem de gafanhotos predatória, dizimando qualquer planta florescente por onde passe, sufocando todo sentimento genuíno ou convertendo-o em inveja, despeito, temor, malícia, etc?

Não, não somos Dom Quixotes lutando contra moinhos de vento. Estamos é vivendo de vento, comendo tudo quanto é porcaria que lemos, ouvimos e assistimos por aí... Pobres estômagos do nosso ser...! O meu está se contorcendo, coitado, pedindo por favor que eu escolha melhor o alimento que lhe dou.




Marcia Ka







segunda-feira, 19 de maio de 2014

Sobre a Meditação Diária

 
 
 
Uma vez que se colocou os pés no caminho, como se pode recuar dele para algo inferior?
Se você se mantém firme quedas não importam, levanta-se de novo e continua em frente.
Se você é firme na direção ao objetivo não pode haver nenhum fracasso definitivo no caminho para o Divino.
E se há algo dentro de você que impulsiona, como certamente há, vacilações ou quedas ou falta de fé não fazem nenhuma diferença decisiva. Tem que se continuar até que a luta tenha passado e haja o caminho reto e aberto e sem espinhos diante de nós.

Sri Aurobindo


Uma coisa ao menos você pode perceber em si mesmo depois de frequentar palestras e grupos de estudo durante tantos anos... É que definitivamente você não é mais o mesmo. Não é mais capaz de aceitar algo inferior, não é capaz de viver sem consciência ou de se entregar ao vendaval caprichoso das emoções...

É como quando você deixa de ser criança e descobre, por exemplo, que seus pais não são deuses, são simplesmente humanos... Você não pode mais agir como criança porque agora você sabe! No caminho acontece algo semelhante... Agora você sabe! Nunca mais será um inocente no mau sentido, que desconhece o milagre divino que está vivendo! Nunca mais será complacente consigo mesmo, justificando sua preguiça, sua intolerância, sua falta de vontade com o fato de que todo o mundo é assim... Agora você sabe. Sabe que é um ser consciente porque herdou a Consciência divina. Sabe que tem o maravilhoso dom da Vida que é o Criador em você. Sabe que sua essência é Amor porque foi dessa matéria que você foi criado...

Então... Mesmo que o mundo se acabasse hoje mesmo, mesmo que todos os obstáculos se erguessem, você não seria capaz de voltar atrás... Voltar a ser um menino, como disse São Paulo: 'Por enquanto eu vos dou leite porque são como meninos...'. Você seguiria em frente, porque só há um Caminho...

Ótima semana a todos!



domingo, 27 de abril de 2014

A ARTE DO CLOWN E O ENSINAMENTO DE GURDJIEFF


O RISO DO PALHAÇO

 
A arte do clown, ou palhaço, da forma como descrita por Ramón Lemos[1], tem algo de profundamente gurdjieffiano[2]. Aqui se trata do fenômeno do riso na sua forma mais pura, mais próxima da fonte e remete-nos diretamente ao ensaio de Bergson[3] sobre a faculdade de rir. A primeira distinção que se faz neste universo do palhaço é procurar descobrir o engraçado que não está nas palavras, nos comentários ou nas crônicas sociais. O palhaço não é um ator que vai representar um papel, nem alguém que comenta algo engraçado. Isto a princípio cria ao pretendente a palhaço certa dificuldade, porque nós estamos tão imersos no universo da sátira e do comentário irônico – que nos ajudam, inclusive, a suportar os fatos do dia a dia, as notícias que nos deixam indignados, etc. – que nos perguntamos o que pode ser engraçado sem isto. Então recorremos ao ensaio de Bergson: basicamente nós rimos daquilo que é destoante do que se espera. Fica claro que o fenômeno do riso não pode, então, ser algo individual e solitário, mas pressupõe uma cumplicidade de um dado grupo social, mesmo que imaginário. O palhaço é aquele que faz tudo errado relativamente ao esperado pelo grupo social. Ele comete, portanto, uma transgressão das regras, uma desorganização da ordem vigente. Quando todos numa fila estão virados para o guichê de atendimento, o palhaço está virado para o lado contrário, esperando ser atendido. Mas essa transgressão não é proposital nem quer chamar a atenção. Pelo contrário, o palhaço é ingênuo, ele não sabe que está fora da ordem geral e não entende por que estão rindo dele. Ele simplesmente faz o que acha certo. Nesse sentido assemelha-se a uma criança, à criança que cada um de nós ainda é. E assim ele realiza para nós uma catarse. Olhando sua atrapalhação nós dizemos: ‘Puxa, como ele é atrapalhado! Ainda bem que eu não sou assim!’.

Bergson mostra que o fenômeno do riso em todas as suas variantes tem origem em uma fonte principal que seria o descompasso entre um ser vivo, atuante e sempre adaptável ao momento presente – pois a vida não se detém jamais - e um ser maquinal, um autômato que age de certo modo porque ‘acha’ que assim é que está certo, segue uma programação interna e pretende acertar. A pessoa que faz uma palhaçada, um ato que causa graça é alguém que parou no tempo, parou na sua própria mente lá atrás enquanto o mundo continuou a girar e a mudar. Todo o mundo está conversando sobre um assunto num grupo de amigos e o assunto naturalmente deriva para outra coisa. De repente alguém interpela um distraído e este, querendo ser agradável, dá uma resposta que se destinava ao outro assunto, já não mais presente na conversa. O grupo cai na risada. O distraído ficou grudado no seu próprio fluxo mental e desligou-se da realidade. Neste sentido estamos em pleno ensinamento gurdjieffiano. A pessoa que vive no seu próprio mental é alguém que está dormindo. A primeira coisa que ele precisa fazer é acordar.

Exatamente o riso é essa sineta que nos faz despertar da nossa tendência inata de cair no sono dos nossos próprios conceitos e fantasias.

É claro que um palhaço, no palco ou picadeiro, no fundo é um ator que está ali para fazer rir. Mas não é um ator no sentido de estar representando um personagem, eis a diferença. O palhaço faz graça mostrando o seu próprio ridículo, o seu descompasso natural com o ritmo que a vida em sociedade exige, mas ele mesmo, encarnando o clown, não sabe do seu ridículo, é um ingênuo, alguém que quer parecer ‘certo’. É por isso que o clown, dentro do universo gurdjieffiano se transforma numa bela ferramenta de trabalho interior que nos põe em contato com nosso próprio ridículo, nosso próprio adormecimento. O palhaço nos faz sentir o quanto agimos na vida mecanicamente; parados no nosso próprio comando mental temporário e fechados para a recepção e a compreensão do agora. Ver esse espetáculo proporciona um riso liberador.

Algo cativante na figura cômica do clown é o fato de não ser capaz de acusar nem guardar ressentimento. O palhaço é profundamente ingênuo quanto às intenções maldosas que os outros possam ter para com ele, portanto não guarda mágoas nem impõe sua visão aos outros. Ele é também um profundo solitário; malgrado sua imensa afeição por pessoas ou coisas, no final tem que se desapegar e seguir sozinho, como vemos em muitos filmes do Carlitos[4].

Noutro sentido, vemos no palhaço algo imensamente libertador por sua ignorância de regras que são absolutamente inúteis e castradoras. O palhaço erra sem medo e sem culpa; ele de certa forma resgata as nossas falhas, sempre tão cuidadosamente ocultadas, trazendo-as para o plano do socialmente aceito, do reconhecidamente humano, do lúdico e do prazeroso. Ora, se eu conhecer certo desajeitamento que me seja intrínseco, no plano corporal, por exemplo, e deliberadamente o mostrar com o fim de causar graça, esse traço então deixa de ser um sugador de energia, um causador de repressão para vir à tona como uma expressão do clown. Por isso, muitos atores diferentes podem representar o mesmo personagem, mas o clown só pode representar a si mesmo, o seu próprio palhaço, que ele descobre e revela.

E eis-nos de volta ao universo dos ensinamentos de Gurdjieff no que tange ao autoconhecimento de nossos próprios gestos, reações, impressões que causamos, emoções, etc. Como o clown, precisamos aprender a nos ‘desconstruir’, ou seja, nos livrar da rigidez corporal adquirida durante toda a vida como de uma armadura de gesso e aprender a rir de nós mesmos e de nossas próprias falhas. Porque ser clown é ser um espectador do próprio corpo, emoções e formas mentais; é estar diante de sua essência e sua personalidade; é comunicar-se com outros seres humanos com o que se tem de mais humano: o riso, esta grande ferramenta de autoconhecimento.

 

Marcia Chagas Kondratiuk

27/04/2014

 



[1] Ramón Lemos é criador da Oficina do Riso em São Paulo, ator e diretor.
[2] George I. Gurdjieff (1864-1949) nasceu na Geórgia e morreu nos Estados Unidos. Escreveu vários livros, sendo um dos maiores mestres de ciência interior que o Ocidente conheceu.
[3] Hénri Bergson, ‘Ensaio sobre o Riso’.
[4] Charles Chaplin representava sempre o Carlitos em seus filmes, a maior referência de palhaço até hoje.

sábado, 8 de março de 2014

AS QUATRO AUSTERIDADES


(do livro de “A Mãe”)
 

Diz a Mãe que a vida espiritual, ao contrário das práticas que sacrificam o corpo, é uma vida de luz, equilíbrio, beleza e alegria.

O mais difícil de tudo é manter sempre sua consciência no ápice de sua capacidade, sem nunca permitir ao corpo agir sob o efeito de um impulso inferior.

As quatro disciplinas (ou austeridades) que a Mãe descreve podem ser classificadas como:

I - Física – da beleza (refere-se à liberdade na ação);

II – Vital – do poder (refere-se à psique, às sensações e emoções);

III – Mental – do conhecimento (refere-se ao controle do pensamento e da fala);

IV – Emocional – do amor (refere-se ao sentimento e ao desapego)

. Falando da austeridade do Físico, ela diz que:

Devemos construir em nós nervos de aço em músculos elásticos e poderosos para poder suportar tudo, quando isto for indispensável.

Antes do sono, recomenda-se meditação; durante o dia, exercícios e trabalho.

Quanto ao nosso trabalho, não tenhamos preferência por fazer isto e não aquilo, mas façamos com interesse tudo o que fizermos, buscando nos aperfeiçoar sempre.

É importante abster-se de toda busca de prazer, inclusive o sexual.

Se quisermos preparar-nos para a vida supramental, não devemos nunca permitir que nossa consciência deslize para o desleixo e a inconsciência, sob um pretexto de prazer ou mesmo de repouso e relaxamento.

É na força e na luz que o descanso deve acontecer, não na obscuridade e na fraqueza.

É preciso recusar o prazer, se quisermos abrir-nos à alegria de ser na beleza e harmonia totais.

. Falando sobre a austeridade do Vital:

O Vital tem 3 fontes de subsistência:

1)      Energias físicas (sensações)

2)     Forças vitais universais

3)      Forças e aspiração espirituais (somente aquele que busca) e troca de forças vitais (a dois)
 

A sensação é um excelente meio de conhecimento e de educação, mas para servir a esses fins ela não deve ser utilizada egoisticamente, numa procura de prazer.

Os sentidos devem ser capazes de suportar tudo sem desgosto nem desprazer.

Mas, ao mesmo tempo, precisam (os sentidos) adquirir e desenvolver cada vez mais o poder de discernir a qualidade, a origem e o efeito das diversas vibrações vitais (se são favoráveis ou não à saúde, ao equilíbrio, à beleza, ao progresso do físico e do vital).

Os sentidos são instrumentos de aproximação e de estudo dos mundos físico e vital.

A escolha das sensações (e seu controle) deve ser feita com uma austeridade toda científica, visando somente ao crescimento e aperfeiçoamento do vital.

. Falando sobre a austeridade do Mental:

Há uma austeridade muito maior e mais fecunda no controle da fala do que em sua abolição (silêncio).

Diz ela: “Eu chamo de tagarelice todas as palavras pronunciadas sem que sejam absolutamente indispensáveis”.

E exemplifica:

- As palavras ditas por razões materiais: adquira o hábito de não se exteriorizar constantemente em palavras pronunciadas em voz alta;

- As palavras que exprimem as sensações, os sentimentos, as emoções: o hábito de guardar silêncio externo ajuda nos momentos emocionais;

- As palavras que expressam ideias ou opiniões: evite discussões a qualquer custo;

- As palavras que expressam um ensinamento: não emprestemos nossa boca para que vibrações más sejam projetadas na atmosfera, porque nada é mais contagioso do que as vibrações do som; se damos a esses movimentos as condições de se exprimirem, estaremos perpetuando-os em nós e nos outros.

Entre os mais indesejáveis tipos de tagarelice deve-se incluir tudo o que é dito a respeito dos outros.

A menos que sejamos responsáveis por certas pessoas, como guardiães, instrutores ou chefes, não temos nada a ver com o que os outros fazem ou deixam de fazer.

É preciso abster-se de falar dos outros, de dar opinião sobre eles e sobre o que fazem, ou mesmo de repetir o que os outros podem pensar e dizer deles.

Em todos os casos e de uma maneira geral, quanto menos se fala dos outros, mesmo para elogiar, é melhor.

Quando o pensamento é exprimido pela palavra, a vibração do som tem um poder considerável de colocar a substância mais material em contato com esse pensamento e dar-lhe assim uma realidade concreta e efetiva. É por isso que não se deve nunca maldizer as pessoas e as coisas.

Nenhuma crítica deve ser feita, a não ser por um mestre – que tem o poder e a vontade suficientes para desfazer ou transformar as coisas criticadas.

Todo sectarismo torna-se impossível quando se sabe que todo pensamento formulado é apenas uma maneira de dizer alguma coisa que escapa a toda expressão.

Cada ideia contém um pouco da verdade ou um aspecto da verdade, mas não há ideia que seja em si mesma absolutamente verdadeira.

O valor de uma ideia existe em função de seu poder magnético. Uma grande ideia que tem sobre um indivíduo um grande poder impulsionador, em um outro pode falhar totalmente.

No entanto, esse poder (da ideia) é, ele mesmo, contagioso. Certas ideias são capazes de transformar o mundo. São estas que devem ser exprimidas.

Na educação, a necessidade geralmente reconhecida de distração, relaxamento no esforço, esquecimento longo e total do objetivo da vida não deve ser considerada natural nem indispensável, mas sim uma fraqueza.

Pode-se tagarelar até mesmo sobre os assuntos espirituais, e essas tagarelices talvez estejam entre as mais perigosas.

No que tange à vida interior e ao esforço espiritual, o uso da palavra deve ser submetido a uma regulamentação ainda mais estrita, e nada deve ser dito a menos que seja absolutamente indispensável dizê-lo.

Não devemos nunca falar de nossas experiências espirituais se não quisermos ver dissipar-se num instante a energia acumulada na experiência e que deveria servir para apressar nosso progresso.

A única exceção a essa regra é em relação a nosso mestre ou guru, se quisermos obter dele algum esclarecimento ou ensinamento sobre o conteúdo e o significado da experiência realizada.

O próprio mestre está submetido à mesma regra de silêncio. Na natureza tudo está em movimento e aquele que não avança, recua necessariamente.

“Em todos os casos” – diz a Mãe – “sê fiel ao teu guru; ele te levará tão longe quanto puderes ir”.

Se quisermos que nossa palavra exprima a verdade e que assim adquira o poder do Verbo, nunca pensemos com antecedência nem decidamos o que é bom ou ruim dizer; não calculemos o efeito do que vamos dizer. Sejamos silenciosos mentalmente e nos mantenhamos sem hesitar na atitude verdadeira.

Se nossa aspiração for sincera, se ela não é uma capa para nossa ambição de fazer as coisas bem e obter sucesso, se ela for pura, espontânea e integral, então poderemos falar muito simplesmente e pronunciar as palavras que devem ser ditas, nem mais nem menos, e elas terão um poder criador.

. Falando sobre a austeridade do Amor:

A natureza serve-se do amor para levar o homem, através da união com outros, a recuperar a unidade primordial, tirando-o de seu egoísmo.

Dentre os satisfeitos com a vida (natureza) como ela é estão os chamados “otimistas”: a estes não tente jamais converter, pois não sentem falta de nada.

Há também os que estão satisfeitos porque, através do amor por outros e a doação, nesse esquecimento de si encontram um reflexo das maravilhas do amor divino.

Porém, para o que busca, isto é muito pouco. Este deve rejeitar toda forma de amor entre seres humanos, pois, por mais belo que seja, ele produz uma espécie de curto-circuito e corta a conexão direta com o Divino.

Uma vez que decidamos reservar o amor em seu esplendor para nossa relação pessoal com o Divino, nós o substituiremos em nossas relações com os outros por uma benevolência e uma boa vontade totais e invariáveis, constantes e sem egoísmo.

Não esperaremos dos outros recompensa alguma, agradecimento algum, reconhecimento algum.

Seja como for que os outros o tratem, não permita nunca que algum sentimento ruim se apodere de você.

Em seu amor sem mistura pelo Divino, (se for maltratado), você O deixará ser seu único juiz no que se refere à maneira de se proteger e se defender contra a incompreensão e a má vontade dos outros.

É só do Divino que você esperará novas alegrias e seus prazeres. É só Nele que você buscará e encontrará a ajuda e o apoio.

Ele (o Divino) o consolará em todas as suas dores, conduzi-lo-á no caminho, erguê-lo-á se você tropeçar, e se existirem momentos de fraqueza e exaustão, Ele próprio receberá você em seus poderosos braços de amor e o envolverá com sua doçura reconfortante.

Em resumo, a austeridade do sentimento consiste em abandonar todo apego afetivo, seja qual for a sua natureza – amorosa, familiar, patriótica ou outra – para se concentrar num apego exclusivo à Realidade Divina.

. Resumo

Todas as austeridades referem-se a uma busca de liberdade:

- sentimentos – a libertação do sofrimento (apegos);

- mental – a libertação da ignorância (conceitos);

- vital – a libertação dos desejos (emoções);

- física – a libertação do karma (leis físicas).

Pelo domínio total de nós mesmos, não seremos mais escravos das leis da natureza, que nos fazem agir por impulsos subconscientes e semiconscientes e nos mantêm na trilha da vida comum (mecanicidade).

Graças a essa (quádrupla) libertação, é com pleno conhecimento de causa que podemos escolher o caminho a seguir, escolher a ação a ser realizada e nos desprender de todo determinismo cego, para só deixarmos intervir no curso da vida a vontade mais alta, o conhecimento mais verdadeiro, a consciência supramental.

Foram palavras da “Mãe”, em seu livro “As Quatro Austeridades”, que selecionei para o proveito de quem se interessar.

MOCK