quarta-feira, 7 de agosto de 2013

"Ser Novo"


SER NOVO

 

Todo semestre chegam à Escola novos participantes para assistir às palestras e formar um grupo específico, destinado à introdução de possíveis novos membros. Dentre estes, que chegam motivados por várias circunstâncias, a maioria não deixará de ser um visitante esporádico da Escola, e tão logo encontre coisa mais importante para fazer naquele horário, deixará de frequentá-la, sendo que a procurará novamente no futuro se levou dela boas impressões afetivas; se fez amigos; caso contrário esquecerá a experiência no meio dos seus muitos currículos. Alguns poucos, no entanto, desde esse primeiro contato são tomados pela urgência de prosseguir no conhecimento desse sistema tão diferente de ideias e que propõe para o ser humano algo nunca visto, porém reconhecido no íntimo do seu ser como sendo verdadeiro e válido. Estes passarão a ser membros da Escola, cada qual, porém, à sua maneira, dentro de suas possibilidades e de suas metas. Nesse primeiro grupo introdutório, há ainda pessoas que se sentem chocadas com o inusitado do que lhes é apresentado, e principalmente com a forma como isto é feito; sentem-se deslocadas, desconfortáveis e até pessoalmente ofendidas e tenderão a fugir da Escola como o diabo da cruz.

Este semestre eu tive a oportunidade de presenciar uma cena com uma delas, hilariante, se não fosse dramática para a protagonista. A moça terminou de assistir à palestra do primeiro dia e chegou toda afobada à recepção. Foi tirando as luvinhas (era uma noite muito fria) e pensei que ia agredir com elas o nosso pobre Osvaldo. Disse-lhe em tom autoritário, visivelmente irritada:

- Então, aqui é assim, é? Eu venho, assisto à palestra e vou embora?

- É assim – respondeu Osvaldo.

- Ninguém senta com você pra te explicar nada?! É assim? E eu vou continuar vindo, vindo...?

- Se você gostar – disse Osvaldo. – É pessoal e intransferível.

- E daqui a dez anos eu ainda vou continuar vindo? Não vão formar grupos com a gente, nada?!

- Mas você está vindo pela primeira vez...

Ela não se conformava. Calçou as luvas outra vez, resmungando enigmaticamente:

- É escola, né? Esse é o problema da escola...!

Nesse instante entrou um grupo de pessoas na sala e a moça deixou de ser o único foco de atenção. Ela revirava nas mãos o DVD do filme “Encontros com Homens Notáveis”, por fim decidiu-se, devolveu o filme ao balcão e disse, erguendo o queixinho com arrogância:

- Se eu resolver, qualquer dia eu volto! – e deu meia volta.

Aquela sala de recepção é de fato um lugar especial na Escola. É nela que se dão embates como este, entre o mundo lá fora e o mundo do “trabalho”. É o campo de batalha do Osvaldo que, como sempre, soube agir à altura da situação. Também ouvi de um dos novos, aquela noite, o seguinte comentário:

- Falaram a mesma coisa de vinte anos atrás; não mudou nada.

Esse rapaz, que já havia vindo à Escola em diversas ocasiões, mostrava que ainda era incapaz de ser surpreendido, de ser tocado, de ser sacudido em seus alicerces. Para ele, como para muitos, trata-se apenas de um sistema filosófico, capaz de melhorar sua qualidade de vida da mesma forma que comer verduras ou ir à igreja aos domingos. E que lhe dá, como benefícios imediatos, palestras inteligentes, relacionamentos e boas risadas.

Na Escola há lugar para todos esses diferentes participantes e para muitos outros tipos. Todos são acolhidos e a ninguém é negado o conhecimento na medida em a pessoa está pronta para receber. Mas a maioria das pessoas que a frequentam, de um modo ou de outro, está longe de perceber que a Escola não é nada disso; não é um clube social, não é uma escola de formação em Gurdjieff, não é uma catequese, não é um lugar de produção de fenômenos paranormais, etc, etc. A Escola é muito mais do que tudo isso, ela é uma verdadeira revolução, uma transformação radical em nosso ser e em nossa realidade. Sua finalidade última – à qual só se chegará por vontade própria e dependendo de suas próprias possibilidades – é uma alquimia correspondente àquela pela qual passou Castanheda com Dom Juan no deserto, sob o efeito de poderosas experiências sensoriais. A diferença, aqui, é o grande mérito de George Ivanovitch Gurdjieff, que nos trouxe essa possibilidade na medida do nosso ser ocidental atual, exatamente dentro da vida que nós levamos. Não precisamos mais ter um contato brutal com as forças naturais, nem seguir sombrios caminhos de alteração de consciência para acessar essa trilha comprida que leva finalmente à Verdade e que é chamada de Quarto Caminho. Basta seguir a organização da Escola e trabalhar.

As pessoas que chegam de fora não percebem que não há falta de organização aqui, mas que a organização é outra, desconhecida para elas. Tampouco percebem que não há falta de consideração, como alguns sentem, nem desrespeito às suas personalidades e seus feitos no mundo. Se elas persistirem na busca dessa compreensão (vindo, vindo...), aos poucos poderão se dar conta de que toda consideração por parte dos mestres é dada a cada um dos participantes, mas não consideração à persona, que é sua máscara social, e sim à essência do seu ser, que nem elas mesmas conhecem ou respeitam. Se persistirem, poderão, aos poucos, ver desabrochar esse ser novo e desconhecido para elas, e sua completamente nova realidade.

                                                                                                    Márcia Ka
Foto: Deserto de Sonora, México.