O JARDIM DAS EMOÇÕES DE VOVÓ MASHA
Um conto infantil para qualquer idade
Os netos da vovó Masha – Laura, Henrique e Dudu – quando vão
visitá-la correm para brincar no jardim, que eles adoram. Nos fundos da casa, o
jardim começa ao se atravessar um portãozinho pintado de branco, sobre o qual
pende uma placa onde se lê: “Jardim das Emoções”.
As crianças atravessaram o portão com a vovó. O jardim
estava ainda mais bonito do que eles se lembravam. Flores variadas nos
canteiros, bosques, caminhos marcados com pedras. Voando aqui e ali, seres
do reino animal: passarinhos, borboletas, joaninhas e outros insetos. Dudu foi
logo brincar no balanço e vovó sentou-se com os dois maiores no banco de pedra,
sob a sombra de um Ipê amarelo.
- Como eu gosto deste jardim, vovó! – disse Laura.
Vovó Masha deu uma risada bondosa.
- Eu também, querida! Mas ele não foi sempre assim...
As crianças eram doidas por histórias e pediram que a vovó
contasse mais.
- Não? Como ele era antes?
- Ah... – disse a vovó, se recordando. – Na minha festa de
dezoito anos...
- Dezoito? – Henrique abriu a boca de espanto.
- Sim, eu ia fazer dezoito anos e vim ao jardim buscar
algumas rosas para colocar num vaso. Quando cheguei, encontrei meu jardim completamente arrasado. O mato havia crescido tanto que os arbustos espinhentos sufocaram as flores. Não havia uma única roseira... Sentei-me aqui neste banco e
chorei. Estava tão desanimada! Foi então que um Pica-pau, ali naquele tronco, me falou...
- Passarinhos não falam, só cantam! – interrompeu Laura.
- Pois é, normalmente não falam – disse a vovó. – Mas
aquele falou. Falou bem assim, me olhando de lado:
- Por que está chorando, Masha? Pra tudo tem remédio, tem
sim!
Pensei que estava ficando louca. “Ele está falando comigo”.
Mas respondi:
- Ah, Passarinho... Olhe este jardim! Passei toda minha vida
cultivando estas flores, mas eu sou um desastre. Nada cresce, e o que cresce acaba morrendo.
- Escute – disse o Pica-pau. – Já ouviu falar da Maga
Jardineira? Ela faz milagres com qualquer jardim, faz sim!
- Quem é essa maga? Onde ela mora? – perguntei.
- Seu nome é Magobel – disse o Pica-pau - Eu soube que ela
está morando no Vale das Águas Curativas.
- Eu não o levei muito a sério – continuou a vovó. – Mas não
tinha muita escolha. Corri para a estação de trem. O pássaro me acompanhou, voando por sobre minha cabeça. Tomei o trem e desci na pequena Águas Curativas. Era uma
cidade diferente de todas que eu conhecia. Seus habitantes pareciam sempre
felizes, sorridentes e amáveis. Tomei coragem e perguntei a um velho muito
velho:
- O senhor deve morar aqui há muito tempo. Será que conhece
a senhora Magobel?
- Ah! A Maga Jardineira? – disse o homem. – Claro que sim.
Todos a conhecem por aqui.
- Com licença... A senhora é a Magobel?
- Sim. Entre, entre! Em que posso ajudar?
Pouco depois, tomando uma xícara de chá em sua sala
acolhedora, contei-lhe meus problemas com o jardim dos meus sonhos. Então notei
que Magobel usava um vestido azul com asinhas de borboleta ou de fada. Seria
ela uma fada?
- Venha! – disse ela - Vou lhe mostrar uma coisa.
Ela me levou ao jardim e mostrou os canteiros. Havia
flores de diferentes tipos, cores, formatos, tamanhos. Mas me chamou a atenção
os nomes escritos nas plaquinhas dos canteiros. Havia Serenidade, Alegria,
Generosidade, Criatividade, Lucidez e assim por diante.
- Que tipo de flores eram aquelas? – quis saber Henrique.
- Foi o que eu perguntei à Maga Jardineira – disse vovó
Masha – E ela me respondeu:
- Você pode ver que as flores que cultivo são de um tipo
especial: são flores de emoções. Na verdade, todas as pessoas possuem um
jardim como o meu e como o seu também. São as nossas emoções mais habituais. E
são elas que dão a atmosfera da nossa vida!
- Eu nunca havia pensado nisso! – eu lhe disse. Na verdade,
eu estava pensando no meu próprio jardim, abandonado à própria sorte. Até
aquele momento, eu só tinha tido reclamações para ele! Eram as minhas emoções
que estavam secando e definhando...
- Agora venha, vou lhe mostrar outra coisa. – disse a Maga.
A Maga Jardineira me levou a um depósito onde vi prateleiras
cheias de vidros com tampas. Em uma das prateleiras, um gato preto dormia. Fui
lendo os rótulos daqueles vidros: Desânimo, Desconfiança, Medo, Raiva, Ingratidão
e muitos outros.
- Ui! – eu disse – Para que servem essas aqui?
- Essas são as pragas que tiro do meu jardim – disse a Maga
Magobel. – São as chamadas emoções negativas. Se deixar que esses
bichinhos cresçam à vontade, eles devoram e acabam com minhas belas flores. – E
ela deu uma boa gargalhada.
Fiquei confusa, porque naquele momento a Maga Jardineira não
parecia mais uma fada: ela vestia um manto negro e na cabeça tinha um chapéu
pontudo da mesma cor.
- E o que você fez, vovó? – quis saber Laura.
- Magobel – eu lhe disse, vencendo meu medo – você pode me
ajudar?
A Maga Jardineira me mandou esperar um instante. Quando ela
voltou, estava outra vez vestida de azul-celeste, com suas asinhas de fada. Levou-me
a um canto do jardim, onde um gato amarelo dormia...
- E depois, vovó? – perguntou Henrique.
- Bem, eu não entendi o que ela fez. Lembro-me que
segurou minha mão direita e me mandou desenhar o formato do meu jardim, com uma
caneta mágica. Fiz o desenho na palma da minha mão e o interior
do desenho logo ficou preenchido com um mato denso.
- Hum... Está confuso aqui! – disse a Maga Jardineira. –
Onde mais ou menos ficam as flores?
Eu apontei para os locais no desenho onde deveriam estar as
rosas, as dálias, as margaridas... Ou seja, as belas emoções da minha vida.
Magobel fechou os olhos, sempre segurando minha mão e
começou a dizer palavras incompreensíveis.
- O que a senhora disse? – eu perguntei.
- Oh! – disse ela – não é nada complicado. Eu simplesmente tirei
as ervas daninhas que estavam matando as flores e em seu lugar plantei mudas que você já havia plantado, mas estavam sem força. Arrancando e plantando,
arrancando e plantando. Simples assim.
A Maga tornou a fechar os olhos e murmurou mais palavras encantadas.
Quando terminou, ela me disse, fechando minha mão:
- Cuide bem das suas novas mudas, querida! Elas são lindas!
Não há razão para que não floresçam. Ah, e não se esqueça de arrancar as ervas
daninhas e afastar as pragas! Não se iluda, porque elas vão sempre voltar e tentar
acabar com a lindeza de tudo... Por isso é que se chamam pragas! Ha! Ha! Ha!
Estava na hora de ir. Nós nos despedimos com um abraço. Eu
estava emocionada: com sua bondade, a Maga havia feito meu desânimo
desaparecer, e eu não via a hora de voltar e cuidar do meu jardim. Afinal, minhas
queridas plantas mereciam viver, assim como eu! Mas eu tinha uma dúvida...
- Obrigada mesmo, Magobel! Mas... A senhora fez uma
transformação no jardim da minha mão... Como é que vou fazer isso no meu
jardim de verdade?
- Não se preocupe! – ela disse – O que está na sua mão, está
no seu coração, e o que está no seu coração vai florescer na sua vida!
Quando olhei para trás, ela acenava para mim no portão. Estava
de novo com seu chapéu preto de bruxa, mas com o vestido azul de
fada. Engraçado como ela convivia bem com esses dois tipos de vestuário, assim
como com os diferentes tipos de emoções!
- E deu certo, vovó? – perguntou Laura, ansiosa.
- Bem... Logo de cara, não. Saí de Águas Curativas me sentindo
bem mais leve do que quando chegara, o que me fez pensar que provavelmente as
emoções negativas pesavam mais. Então, quando cheguei em casa...
- Olha! Ela voltou,
voltou sim!
Era o Pica-pau me esperando no portão enferrujado do meu
jardim.
- Sim, Pica-pau, voltei! – eu disse – Encontrei a Maga
Jardineira e foi maravilhoso! Agora vou arrumar toda essa bagunça e...
- Ops! É melhor você não entrar aí... – disse o pássaro.
Ele me contou que o jardim perdera bastante do mato, porém, havia sido invadido por uma multidão de lagartas pretas e
vermelhas. No início os pássaros tentaram comê-las, mas seu gosto era horrível
até para eles.
- Elas são nojentas, são sim! – disse o Pica-pau. – As
pretas são gordas e rastejam; as vermelhas são rápidas e queimam como ácido.
Assim, antes de entrar no jardim, eu tive de consultar o livro que
a Maga Jardineira me dera. No livro pude identificar aquelas pragas: as
lagartas pretas representavam a emoção da tristeza; as vermelhas, a
emoção da raiva...
- E aí? – perguntaram as três crianças.
- O livro mágico da Magobel dizia que o antídoto para ambas
as pragas, - continuou a vovó - tanto as lagartas pretas quanto as vermelhas,
era uma árvore chamada Manacá. Essa árvore, muito comum na mata atlântica, dava
flores de duas cores: branca e rosa. As flores brancas continham emoção de alegria,
que fazia espantar a tristeza. Já as flores cor-de-rosa espantavam
rapidamente a raiva porque continham generosidade.
- Nossa! – Laura bateu palmas. – Eu queria ter um livro
assim.
- A primeira coisa que fiz – disse vovó Masha – foi buscar
as tais sementes de Manacá-da-Serra e plantá-las por todo o jardim. No começo
eu usava botas e luvas de borracha para me defender das lagartas. As sementes
germinaram, as árvores foram crescendo, crescendo... Antes mesmo que ficassem
adultas, já foram espantando as lagartas para longe.
Quanto às outras plantas, eu nem podia acreditar! Surgiram
flores de que eu nem me lembrava e pensei que estavam mortas! Outras que eu
havia plantado há algum tempo, mas que regava e regava e teimavam em pender dos
caules, fracas e indefesas, e agora... Que vitalidade! Exalavam a luz do sol
que elas absorviam, e a devolviam ao mundo em forma de beleza. Olhem para elas!
Nesse momento, um Pica-pau de topete vermelho apareceu
bicando o tronco.
- Será o mesmo pássaro dos seus dezoito anos? – perguntou
Henrique.
- Oh, creio que esse deve ser um de seus netos! – disse vovó
Masha, sorrindo. – Meu amigo Pica-pau me aconselhou a procurar a Maga
Jardineira, e no fim, ele também ganhou um jardim muito agradável para viver e
criar sua família.
- E você não procurou mais a Jardineira mágica? – disse
Laura.
- Oh, sim! Nós nos tornamos grandes amigas – disse a vovó. –
Mas eu já tinha me tornado Jardineira de mim mesma.
Ela olhou seu reloginho de pulso.
- Crianças, hora de almoçar!
Foram saindo, mas, a certa altura, Vovó Masha notou que Dudu
havia ficado para trás. Voltaram ao jardim e o chamaram. Lá estava o garoto,
muito à vontade, conversando com o Pica-pau.
FIM