quarta-feira, 17 de abril de 2024

O JARDIM DAS EMOÇÕES de Vovó Masha

 

O JARDIM DAS EMOÇÕES DE VOVÓ MASHA

Um conto infantil para qualquer idade

 


 

Os netos da vovó Masha – Laura, Henrique e Dudu – quando vão visitá-la correm para brincar no jardim, que eles adoram. Nos fundos da casa, o jardim começa ao se atravessar um portãozinho pintado de branco, sobre o qual pende uma placa onde se lê: “Jardim das Emoções”.

As crianças atravessaram o portão com a vovó. O jardim estava ainda mais bonito do que eles se lembravam. Flores variadas nos canteiros, bosques, caminhos marcados com pedras. Voando aqui e ali, seres do reino animal: passarinhos, borboletas, joaninhas e outros insetos. Dudu foi logo brincar no balanço e vovó sentou-se com os dois maiores no banco de pedra, sob a sombra de um Ipê amarelo.

- Como eu gosto deste jardim, vovó! – disse Laura.

Vovó Masha deu uma risada bondosa.

- Eu também, querida! Mas ele não foi sempre assim...

As crianças eram doidas por histórias e pediram que a vovó contasse mais.

- Não? Como ele era antes?

- Ah... – disse a vovó, se recordando. – Na minha festa de dezoito anos...

- Dezoito? – Henrique abriu a boca de espanto.

- Sim, eu ia fazer dezoito anos e vim ao jardim buscar algumas rosas para colocar num vaso. Quando cheguei, encontrei meu jardim completamente arrasado. O mato havia crescido tanto que os arbustos espinhentos sufocaram as flores. Não havia uma única roseira... Sentei-me aqui neste banco e chorei. Estava tão desanimada! Foi então que um Pica-pau, ali naquele tronco, me falou...

- Passarinhos não falam, só cantam! – interrompeu Laura.

- Pois é, normalmente não falam – disse a vovó. – Mas aquele falou. Falou bem assim, me olhando de lado:

- Por que está chorando, Masha? Pra tudo tem remédio, tem sim!

Pensei que estava ficando louca. “Ele está falando comigo”. Mas respondi:

- Ah, Passarinho... Olhe este jardim! Passei toda minha vida cultivando estas flores, mas eu sou um desastre. Nada cresce, e o que cresce acaba morrendo.

- Escute – disse o Pica-pau. – Já ouviu falar da Maga Jardineira? Ela faz milagres com qualquer jardim, faz sim!

- Quem é essa maga? Onde ela mora? – perguntei.

- Seu nome é Magobel – disse o Pica-pau - Eu soube que ela está morando no Vale das Águas Curativas.

- Eu não o levei muito a sério – continuou a vovó. – Mas não tinha muita escolha. Corri para a estação de trem. O pássaro me acompanhou, voando por sobre minha cabeça. Tomei o trem e desci na pequena Águas Curativas. Era uma cidade diferente de todas que eu conhecia. Seus habitantes pareciam sempre felizes, sorridentes e amáveis. Tomei coragem e perguntei a um velho muito velho:

- O senhor deve morar aqui há muito tempo. Será que conhece a senhora Magobel?

- Ah! A Maga Jardineira? – disse o homem. – Claro que sim. Todos a conhecem por aqui.

 O simpático velhinho me deu um mapa meio amarrotado. Eu me pus a caminho, de olho no mapa. No local marcado com um “X” me vi diante de uma casa alegre, com um vasto jardim florido. No meio da folhagem, uma mulher agachada, usando um chapéu com fitas coloridas, cuidava das plantas.

- Com licença... A senhora é a Magobel?

- Sim. Entre, entre! Em que posso ajudar?

Pouco depois, tomando uma xícara de chá em sua sala acolhedora, contei-lhe meus problemas com o jardim dos meus sonhos. Então notei que Magobel usava um vestido azul com asinhas de borboleta ou de fada. Seria ela uma fada?

- Venha! – disse ela - Vou lhe mostrar uma coisa.

Ela me levou ao jardim e mostrou os canteiros. Havia flores de diferentes tipos, cores, formatos, tamanhos. Mas me chamou a atenção os nomes escritos nas plaquinhas dos canteiros. Havia Serenidade, Alegria, Generosidade, Criatividade, Lucidez e assim por diante.     

- Que tipo de flores eram aquelas? – quis saber Henrique.

- Foi o que eu perguntei à Maga Jardineira – disse vovó Masha – E ela me respondeu:

- Você pode ver que as flores que cultivo são de um tipo especial: são flores de emoções. Na verdade, todas as pessoas possuem um jardim como o meu e como o seu também. São as nossas emoções mais habituais. E são elas que dão a atmosfera da nossa vida!

- Eu nunca havia pensado nisso! – eu lhe disse. Na verdade, eu estava pensando no meu próprio jardim, abandonado à própria sorte. Até aquele momento, eu só tinha tido reclamações para ele! Eram as minhas emoções que estavam secando e definhando...

- Agora venha, vou lhe mostrar outra coisa. – disse a Maga.

A Maga Jardineira me levou a um depósito onde vi prateleiras cheias de vidros com tampas. Em uma das prateleiras, um gato preto dormia. Fui lendo os rótulos daqueles vidros: Desânimo, Desconfiança, Medo, Raiva, Ingratidão e muitos outros.

- Ui! – eu disse – Para que servem essas aqui?

- Essas são as pragas que tiro do meu jardim – disse a Maga Magobel. – São as chamadas emoções negativas. Se deixar que esses bichinhos cresçam à vontade, eles devoram e acabam com minhas belas flores. – E ela deu uma boa gargalhada.

Fiquei confusa, porque naquele momento a Maga Jardineira não parecia mais uma fada: ela vestia um manto negro e na cabeça tinha um chapéu pontudo da mesma cor.

- E o que você fez, vovó? – quis saber Laura.

- Magobel – eu lhe disse, vencendo meu medo – você pode me ajudar?

A Maga Jardineira me mandou esperar um instante. Quando ela voltou, estava outra vez vestida de azul-celeste, com suas asinhas de fada. Levou-me a um canto do jardim, onde um gato amarelo dormia...

- E depois, vovó? – perguntou Henrique.

- Bem, eu não entendi o que ela fez. Lembro-me que segurou minha mão direita e me mandou desenhar o formato do meu jardim, com uma caneta mágica. Fiz o desenho na palma da minha mão e o interior do desenho logo ficou preenchido com um mato denso.

- Hum... Está confuso aqui! – disse a Maga Jardineira. – Onde mais ou menos ficam as flores?

Eu apontei para os locais no desenho onde deveriam estar as rosas, as dálias, as margaridas... Ou seja, as belas emoções da minha vida.

Magobel fechou os olhos, sempre segurando minha mão e começou a dizer palavras incompreensíveis.

- O que a senhora disse? – eu perguntei.

- Oh! – disse ela – não é nada complicado. Eu simplesmente tirei as ervas daninhas que estavam matando as flores e em seu lugar plantei mudas que você já havia plantado, mas estavam sem força. Arrancando e plantando, arrancando e plantando. Simples assim.

A Maga tornou a fechar os olhos e murmurou mais palavras encantadas. Quando terminou, ela me disse, fechando minha mão:

- Cuide bem das suas novas mudas, querida! Elas são lindas! Não há razão para que não floresçam. Ah, e não se esqueça de arrancar as ervas daninhas e afastar as pragas! Não se iluda, porque elas vão sempre voltar e tentar acabar com a lindeza de tudo... Por isso é que se chamam pragas! Ha! Ha! Ha!

Estava na hora de ir. Nós nos despedimos com um abraço. Eu estava emocionada: com sua bondade, a Maga havia feito meu desânimo desaparecer, e eu não via a hora de voltar e cuidar do meu jardim. Afinal, minhas queridas plantas mereciam viver, assim como eu! Mas eu tinha uma dúvida...

- Obrigada mesmo, Magobel! Mas... A senhora fez uma transformação no jardim da minha mão... Como é que vou fazer isso no meu jardim de verdade?

- Não se preocupe! – ela disse – O que está na sua mão, está no seu coração, e o que está no seu coração vai florescer na sua vida!

Quando olhei para trás, ela acenava para mim no portão. Estava de novo com seu chapéu preto de bruxa, mas com o vestido azul de fada. Engraçado como ela convivia bem com esses dois tipos de vestuário, assim como com os diferentes tipos de emoções!

- E deu certo, vovó? – perguntou Laura, ansiosa.

- Bem... Logo de cara, não. Saí de Águas Curativas me sentindo bem mais leve do que quando chegara, o que me fez pensar que provavelmente as emoções negativas pesavam mais. Então, quando cheguei em casa...

 - Olha! Ela voltou, voltou sim!

Era o Pica-pau me esperando no portão enferrujado do meu jardim.

- Sim, Pica-pau, voltei! – eu disse – Encontrei a Maga Jardineira e foi maravilhoso! Agora vou arrumar toda essa bagunça e...

- Ops! É melhor você não entrar aí... – disse o pássaro.

Ele me contou que o jardim perdera bastante do mato, porém, havia sido invadido por uma multidão de lagartas pretas e vermelhas. No início os pássaros tentaram comê-las, mas seu gosto era horrível até para eles.

- Elas são nojentas, são sim! – disse o Pica-pau. – As pretas são gordas e rastejam; as vermelhas são rápidas e queimam como ácido.

Assim, antes de entrar no jardim, eu tive de consultar o livro que a Maga Jardineira me dera. No livro pude identificar aquelas pragas: as lagartas pretas representavam a emoção da tristeza; as vermelhas, a emoção da raiva...

 Vovó Masha notou que o pequeno Dudu havia deixado o balanço e agora também ouvia atentamente o fim da história.

- E aí? – perguntaram as três crianças.

- O livro mágico da Magobel dizia que o antídoto para ambas as pragas, - continuou a vovó - tanto as lagartas pretas quanto as vermelhas, era uma árvore chamada Manacá. Essa árvore, muito comum na mata atlântica, dava flores de duas cores: branca e rosa. As flores brancas continham emoção de alegria, que fazia espantar a tristeza. Já as flores cor-de-rosa espantavam rapidamente a raiva porque continham generosidade.

- Nossa! – Laura bateu palmas. – Eu queria ter um livro assim.

- A primeira coisa que fiz – disse vovó Masha – foi buscar as tais sementes de Manacá-da-Serra e plantá-las por todo o jardim. No começo eu usava botas e luvas de borracha para me defender das lagartas. As sementes germinaram, as árvores foram crescendo, crescendo... Antes mesmo que ficassem adultas, já foram espantando as lagartas para longe.

Quanto às outras plantas, eu nem podia acreditar! Surgiram flores de que eu nem me lembrava e pensei que estavam mortas! Outras que eu havia plantado há algum tempo, mas que regava e regava e teimavam em pender dos caules, fracas e indefesas, e agora... Que vitalidade! Exalavam a luz do sol que elas absorviam, e a devolviam ao mundo em forma de beleza. Olhem para elas!

Nesse momento, um Pica-pau de topete vermelho apareceu bicando o tronco.

- Será o mesmo pássaro dos seus dezoito anos? – perguntou Henrique.

- Oh, creio que esse deve ser um de seus netos! – disse vovó Masha, sorrindo. – Meu amigo Pica-pau me aconselhou a procurar a Maga Jardineira, e no fim, ele também ganhou um jardim muito agradável para viver e criar sua família.

- E você não procurou mais a Jardineira mágica? – disse Laura.

- Oh, sim! Nós nos tornamos grandes amigas – disse a vovó. – Mas eu já tinha me tornado Jardineira de mim mesma.

Ela olhou seu reloginho de pulso.

- Crianças, hora de almoçar!

Foram saindo, mas, a certa altura, Vovó Masha notou que Dudu havia ficado para trás. Voltaram ao jardim e o chamaram. Lá estava o garoto, muito à vontade, conversando com o Pica-pau.

 

FIM