(Esta é uma história puramente ficcional, que não tem intenção de veicular ensinamento, crença ou ideologia. Enjoy it!)
No início o Criador estava dormindo e todas as coisas
repousavam no Nada. Seu semblante plácido mostrava um sono profundo e sem
sonhos, enquanto Seu sangue latejava ritmicamente no corpo imóvel. Então, Ele
abriu os olhos. No mesmo instante, Sua Mente Divina se lançou no vácuo na forma de
poeira cósmica finíssima. Estava inaugurado o espaço-tempo, permeando cada
porção do que se chamaria o Universo.
Os pensamentos do Criador voavam livremente, Suas lembranças
brilhavam aqui e ali, em turbilhões de matéria. O corpo do Criador ainda jazia
em repouso, enquanto Sua Consciência se espalhava e se cristalizava em um
sem-número de formas. Deus imaginava, e criava e criava. Então, Ele sentiu
fome. Um vazio corroeu Suas entranhas e Ele sentiu desejo de comer alguma
coisa, porque, junto com a poeira cósmica, o desejo fora criado. E Deus sentiu desejo de Deus, pois Seu sexo também
despertara.
Ora, quando o Criador começou a sentir desejos, a matéria enlouqueceu. Até então,
lançada a esmo, ela flutuava tranquila, mas começou a sofrer
um impulso generalizado de se aproximar e se aglutinar, obedecendo à
necessidade imperiosa de alimentar-se e de fundir-se. Surgiu a força
gravitacional e, sob o seu influxo, a poeira cósmica aglomerou-se e gerou os
corpos.
De um momento para o outro, luzes se acenderam por todo o
Universo como um pisca-pisca numa árvore de natal. Por toda parte nasciam as
estrelas e as galáxias, os planetas e os satélites, e infinidades de seres
celestes. O Universo, que surgira do Nada com os pensamentos do Criador, agora
funcionava como um organismo vivo e irrequieto. Estrelas devoravam estrelas,
galáxias devoravam galáxias e eram tragadas por buracos negros, planetas se
fundiam e se desintegravam e assim incessantemente. A matéria criada não tinha
apenas a Inteligência de Deus, agora era um organismo que possuía também a Sua
inesgotável Vida.
O Criador assistia a todo esse espetáculo e não cessava de
Se admirar das coisas lindas e boas que por Sua vontade haviam sido criadas. O
desenrolar imprevisível daquele drama a que dera início havia feito
surgir o Tempo. E o Criador acompanhava com grande interesse o desenrolar da existência de
todos os seres.
Mas um dia, no meio do Tempo, o Criador vislumbrou em Si Mesmo
uma tristeza. O Coração de Deus se apertou ao ver Suas criaturas mergulhadas
naquela faina interminável de saciar desejos. Ele viu o quanto
elas eram solitárias e sem objetivo, afastando-se cada vez mais do Centro onde foram
geradas. E Nosso Senhor sentiu imensa compaixão de Suas criaturas.
No mesmo instante, do Seu Peito Divino começou a brotar uma
ternura infinita que envolveu o Mundo como uma rede de matéria invisível. Muito
mais tarde, algumas criaturas investigadoras começaram a desconfiar da presença
dessa rede e lhe deram o nome de “matéria ou energia escura”. E a ternura divina
espalhou-se e impregnou cada porção da matéria e fez com que doravante os
corpos, em vez de se afastarem indefinidamente, sem rumo e sem sentido,
permanecessem juntos e estáveis, para Seu deleite.
Por acaso, naquele dia em que o Criador viu nascer Sua
Misericórdia, Ele estava olhando para um pequeno planeta de uma insignificante
estrela na periferia de uma modesta galáxia, nos cafundós do Universo. Ele lhe
deu o nome de Terra, e viu que, ao dar-lhe um nome, imediatamente
estabelecia-se entre ambos um vínculo de afeto indissolúvel. E Nosso Senhor viu
que isso era bom, e passou a emitir o Seu Verbo para unir-Se indissoluvelmente
com Suas criaturas.
O Verbo de Deus, fecundando o planetinha, fez com que surgissem
novas espécies de criaturas na superfície. Brotaram ali infinitas espécies
minerais, vegetais e animais, cada qual mais complexa, alimentando-se umas das
outras e recebendo as Radiações do seu Sol local. Até que, dentro da cadeia
evolutiva, surgiu um novo tipo de animal-homem dotado de habilidades destacadas
em todo o singular Reino Orgânico da Terra.
E o Senhor desperto, que havia criado o Universo com Sua
Consciência; que o havia animado e alimentado com Sua Vida e que lhe havia dado
a possibilidade de autossustentar-se com Seu Amor, acompanhou com especial
interesse essa nova criatura. Ele via
com curiosidade o Homem e, especialmente, as formas que nele haviam tomado as
características que lhe couberam por hereditariedade: Consciência, Vida e Amor.
O Criador acompanhou com Seu olhar todos os passos do homem.
Suas lutas, seus sofrimentos, suas conquistas e vergonhas. Ele viu que em todas
as coisas que o homem fazia, tais como cultivar a terra, relacionar-se, festejar,
procriar, estudar ou guerrear, estavam sempre presentes as características
divinas, porém, completamente deturpadas pela ignorância do bicho-homem em
relação à sua própria origem. De fato, o homem estava bem longe, no Universo,
do Grande Sol Central, e embora a Divina Radiação o envolvesse por completo,
ele de nada suspeitava e acreditava que estava entregue a si próprio, mergulhado em sofrimento e angústia.
Então, no meio do infinito dos dias, aconteceu uma coisa que
fez o Coração de Deus dar um salto em Seu Peito, abalado por forte e inesperada
emoção. É que um daqueles seres insignificantes no Universo chamados Homens,
em meio ao seu trabalho diário, depôs a enxada um instante, sem razão aparente e, enxugando o
suor da testa olhou para o céu infinito, como quem procura alguma coisa perdida. E o Senhor Deus ouviu
perfeitamente quando esse primeiro homem, em seu coração, clamou: “Pai...!”. E Deus viu que nem
tudo estava perdido, afinal.
Márcia Kondratiuk/2016