Embora
todos estejamos mergulhados no caudaloso rio da vida, cada um de nós só consegue
beber dela com seu próprio pote, gole a gole. Somos seres finitos fazendo parte
do Infinito. Nosso pote são as limitações individuais: o corpo, as
circunstâncias em que nascemos e vivemos, nosso modo de sentir, pensar e
querer. Vislumbramos a Beleza infinita – na natureza, nos seres que amamos, nas
nobres ideias e sentimentos, mas não podemos nos apropriar dela, a não ser
daquele pedacinho que somos capazes de desfrutar e sentir. Amar alguém é sentir
essa dor da impotência. A pessoa amada também é esse mundo à parte bebendo da
vida por meio de seu próprio pote e não pode ser “engolida”. Viver é ter fome e
sede insaciáveis e só conseguir preencher essa carência na medida em que nossos
comandos mental, emocional e orgânico nos permitirem. E se já é bastante
difícil a vida tendo nosso pote vazio, imagine se estiver repleto de sujeira ou
coisas inúteis - um mental cheio de preconceitos e fanatismos; um emocional
pesado de ressentimentos e medos; um corpo preguiçoso ou doente. Ficaremos com
nossas chances de saciar nossa sede de vida ainda mais reduzidas.
Sentimos
no dia a dia esse paradoxo como um espinho cravado na carne, que dói, mas
também nos estimula: sentimos a Imensidão, mas somos formigas que não conseguem
avançar além do jardim; queremos muito, mas nosso pote é pequeno. Como diziam
quando éramos crianças, temos o olho maior que a barriga, desejamos aquilo que
não conseguimos digerir.
Como
nossa sede de vida é infinita, não nos resta outra tarefa senão procurar
alargar cada vez mais nosso pote: ser capaz de pensar com mais clareza e
compreender mais; ser capaz de cultivar o emocional para que produza
sentimentos mais puros e criadores de vida; ser capaz de conhecer melhor o
corpo e ter uma relação de amizade com nosso organismo. Todos esses aspectos do
nosso mundo determinam a forma e a medida com que podemos beber do rio da vida,
de forma a ficarmos satisfeitos. Mesmo assim, esbarramos num limite: é o nosso
jeitão, ou nosso destino, que é a concretização desse jeitão.
Mas
vale lembrar que no instante em que estivermos sentindo a dor dessa limitação
do ego, estaremos observando de fora o pote com que bebemos nossa vida – seu
formato, seus defeitos, suas medidas. E nesse momento podemos, não o encher
mais do que nele cabe, mas beber uma água de mais qualidade, uma água que
verdadeiramente sacia. Não adianta querermos mudar o pote com que a Vida nos brindou,
que é nosso aqui e agora. Saciamos nossa sede de Vida verdadeira, apesar de
nossas limitações, saindo fora do âmbito em que elas se manifestam, observando
nossos centros mental, emocional e biofísico sem receio de ver e sem criticar
também. Nesse estado meditativo compreendemos que só estamos separados uns dos
outros na aparência, mas, de fato, somos o próprio rio.