sábado, 17 de setembro de 2016

Um gole de cada vez ou todo o rio


 

Embora todos estejamos mergulhados no caudaloso rio da vida, cada um de nós só consegue beber dela com seu próprio pote, gole a gole. Somos seres finitos fazendo parte do Infinito. Nosso pote são as limitações individuais: o corpo, as circunstâncias em que nascemos e vivemos, nosso modo de sentir, pensar e querer. Vislumbramos a Beleza infinita – na natureza, nos seres que amamos, nas nobres ideias e sentimentos, mas não podemos nos apropriar dela, a não ser daquele pedacinho que somos capazes de desfrutar e sentir. Amar alguém é sentir essa dor da impotência. A pessoa amada também é esse mundo à parte bebendo da vida por meio de seu próprio pote e não pode ser “engolida”. Viver é ter fome e sede insaciáveis e só conseguir preencher essa carência na medida em que nossos comandos mental, emocional e orgânico nos permitirem. E se já é bastante difícil a vida tendo nosso pote vazio, imagine se estiver repleto de sujeira ou coisas inúteis - um mental cheio de preconceitos e fanatismos; um emocional pesado de ressentimentos e medos; um corpo preguiçoso ou doente. Ficaremos com nossas chances de saciar nossa sede de vida ainda mais reduzidas.

Sentimos no dia a dia esse paradoxo como um espinho cravado na carne, que dói, mas também nos estimula: sentimos a Imensidão, mas somos formigas que não conseguem avançar além do jardim; queremos muito, mas nosso pote é pequeno. Como diziam quando éramos crianças, temos o olho maior que a barriga, desejamos aquilo que não conseguimos digerir.

Como nossa sede de vida é infinita, não nos resta outra tarefa senão procurar alargar cada vez mais nosso pote: ser capaz de pensar com mais clareza e compreender mais; ser capaz de cultivar o emocional para que produza sentimentos mais puros e criadores de vida; ser capaz de conhecer melhor o corpo e ter uma relação de amizade com nosso organismo. Todos esses aspectos do nosso mundo determinam a forma e a medida com que podemos beber do rio da vida, de forma a ficarmos satisfeitos. Mesmo assim, esbarramos num limite: é o nosso jeitão, ou nosso destino, que é a concretização desse jeitão.

Mas vale lembrar que no instante em que estivermos sentindo a dor dessa limitação do ego, estaremos observando de fora o pote com que bebemos nossa vida – seu formato, seus defeitos, suas medidas. E nesse momento podemos, não o encher mais do que nele cabe, mas beber uma água de mais qualidade, uma água que verdadeiramente sacia. Não adianta querermos mudar o pote com que a Vida nos brindou, que é nosso aqui e agora. Saciamos nossa sede de Vida verdadeira, apesar de nossas limitações, saindo fora do âmbito em que elas se manifestam, observando nossos centros mental, emocional e biofísico sem receio de ver e sem criticar também. Nesse estado meditativo compreendemos que só estamos separados uns dos outros na aparência, mas, de fato, somos o próprio rio.

 

 

 

  

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