terça-feira, 3 de abril de 2012

Mais Histórias



Uma noite mágica


As contações de histórias na Escola Gurdjieff, desde que começaram há mais de uma década, vêm se sofisticando em forma e em conteúdo e sempre surpreendendo. Foi o que aconteceu neste fim de semana em que apresentaram as histórias “O Soldado que foi para o Céu e para o Inferno” e “Wolf e a Mulher Selvagem”. Uma noite cheia de magia. Como das outras vezes, as intensas impressões ficarão conosco durante muito tempo e, se as soubermos apreciar, irão derramando silenciosamente o seu conteúdo de ensinamento e de esperança.


Duas esplêndidas histórias que se entrelaçam sutilmente, embora aparentemente nada tenham em comum. A primeira, leve, divertida, como que prepara nosso espírito para a segunda. Somos colocados impiedosamente diante de nossas ilusões e de nosso sono, de nossas crenças arraigadas sobre o Bem e o Paraíso, e sobre o Mal e o Inferno, ambas responsáveis por nossa inconsequência em viver a única vida que temos aqui na Terra, esperando ingenuamente que as coisas para nós se resolvam magicamente depois que morrermos. Na figura de Lauro, o soldado cheio de vida e virilidade chega à conclusão de que nada há de mais perfeito para o ser humano do que esta vida, e que no tempo presente é que se encontram todas as possibilidades.


Possibilidades de quê? Além do pleno gozo da vida, que é mostrado na primeira história, a segunda vai nos revelar que aqui também é o plano em que podemos nos transformar. Nesse sentido, “Wolf e a Mulher Selvagem” é uma história profundamente esotérica. Se num primeiro nível ela acompanha o ciclo das histórias que mostram almas lindas em corpos horrendos ou corpos lindos com almas horrendas - como a Bela e a Fera e todos os contos em que princesas e príncipes estão enfeitiçados sob uma aparência repugnante ou bruxas aparecem como rainhas belíssimas -, a história apresentada pela equipe do Lauro avança para outro nível bem menos acessível, que são as possibilidades de transmutação do ser que esta vida no Planeta nos oferece. Tanto para baixo quanto para cima - os personagens se transformam ora em bestas, abaixo de humanos, como o Touro em que o pastor Wolf se converteu ou a própria Elzy, a mulher-fera, quanto em semideuses, como Arhat, a rainha que estivera presa sob a forma selvagem de Elzy até ser capaz de inspirar o amor de um homem sob essa forma triste. Em todos os casos, no jogo das aparências apenas um critério parece determinante para a evolução ou involução da qualidade de ser: a capacidade que a pessoa demonstra de apreciar e de servir. É algo maravilhoso, realmente demais para uma só noite de história.

A equipe de músicos foi, mais uma vez, grande auxiliar na fruição dessas impressões. A primeira canção foi como um hino de amor à vida e ao Criador que o público acompanhou com entusiasmo: “Não tenho ambição neste mundo/Mas sou rico da graça de Deus (...) A nossa vida é nascer e florescer/Para mais tarde morrer”. Essa mesma canção é repetida no final da segunda história, entrelaçando as duas e mostrando que, afinal, tudo começa mesmo com essa atitude e esse sentimento: primeiro, reconhecer o tesouro que se tem, e segundo, saber que nos é dado florescer. Aos companheiros que lindamente cantaram e dançaram para despertar em nós, com sua voz e seus corpos, esses sentimentos, o nosso obrigado!

Os atores da equipe mais uma vez nos encantaram. Além do Lauro, Carmem, Cida e Luís proporcionam momentos deliciosos, nos colocando não como ouvintes, mas dentro das histórias, vivendo e sofrendo com eles todas as peripécias. Um destaque muito especial para a atuação de Carmem como Elzy, a mulher-fera que fez todos chorarem em meio ao riso e torcerem intensamente para que ela alcançasse o tão sonhado amor, assim como todo ser humano anseia pela beleza que é o eco de sua alma. Na representação dessa noite, cheia de magias e transformações, ela não podia mais ser vista ali no palco; era o seu timbre de voz, mas não mais o corpo, os gestos, os sentimentos, as crenças. Era Elzy que estava ali para nos ensinar com sua experiência.


Obrigado a todos que tornaram possível mais esta apresentação inesquecível!