sexta-feira, 28 de novembro de 2014

LEITURAS


“A ALQUIMIA E A IMAGINAÇÃO ATIVA” – Instrumentos para estudar as ideias contidas em Gurdjieff.

 
Ao ler os livros que o Sr.  Gurdjieff nos legou, sobretudo os “Relatos de Belzebu a seu Neto” surge inequívoca a sensação de que todo o seu ensinamento se baseia na Alquimia. Porém, como estabelecer esse paralelo, se os antigos textos da alquimia têm uma linguagem estranha a nós, que além de propositalmente enigmática, vem de um tempo anterior à psicologia e à ciência?

Acredito que uma forma de fazer essa aproximação seja através da interface da psicologia de Jung com as leis da alquimia. Carl Jung construiu toda a sua obra monumental estudando e traduzindo antigos textos alquímicos, e muitos dos conceitos que introduziu na psicologia provêm daqueles registros. Sua principal discípula e colaboradora, Marie-Louise Von Franz, em 1969 proferiu uma série de palestras que foram transcritas e transformadas em livro sob o título “A Alquimia e a Imaginação Ativa”(*).

O trabalho de Von Franz constitui uma ferramenta preciosa para nos aproximarmos do ensinamento de Gurdjieff, justamente na medida em que toma como objeto de estudo um texto alquímico de Dorn, discípulo de Paracelso, traduzindo-o à luz dos inegáveis avanços de Jung no conhecimento da psique e seu funcionamento. Uma das vantagens desse método comparativo é que muitas das teorias junguianas são bastante compreensíveis para nós, algumas até bem familiares, como a sincronicidade, o inconsciente coletivo, as projeções, a leitura dos sonhos, a imaginação ativa, etc. Esses conceitos ocidentais modernos podem nos aproximar das ideias contidas nos ensinamentos desde que observemos a devida perspectiva e a diferença da linguagem. Jung traduziu os alquimistas buscando entender a psique do homem; Gurdjieff utiliza-se em diversos momentos da linguagem dos alquimistas para definir objetivamente, isto é, enquanto ciência objetiva, o Homem e o seu papel dentro do Todo.

Guardadas as devidas proporções entre a psicologia de Jung e o ensinamento esotérico de Gurdjieff quanto ao âmbito do conhecimento a que pertencem, muitos paralelos podem ser traçados. O raio de criação, os sete graus de evolução do homem, a correspondência entre macrocosmo/universo e microcosmo/homem, as diferentes etapas da “obra” que corresponde à separação, purificação e finalmente solução, bem como a correspondência dessa obra nos materiais naturais (metais) e internamente, no homem; a meta final de unificar os três elementos - espírito, anima e corpo, ou os três centros – mental, emocional e motor, e muitos outros...  Percebemos que são conceitos de uma sabedoria humana antiquíssima, perdida e reencontrada muitas vezes, captada pelos alquimistas e abandonada quando do advento da ciência química convencional. De alguma forma esses elementos foram apreendidos e decodificados por Jung na elaboração de sua teoria psicológica, a qual, por essa razão, deriva de bases sólidas. Gurdjieff baseou-se neles para formular seu ensinamento ao homem ocidental moderno, tendo-os desenvolvido largamente após experimentar em si mesmo etapas avançadas da “obra alquímica”, a cujo resultado ele chama de “homem desperto”.

Pensamos que é possível confrontar os conceitos similares dos alquimistas, de Jung e de Gurdjieff, o que seria acender mais um facho de luz na escuridão. Evidentemente, as críticas dessa notável cientista não esgotam toda a significação do texto alquímico, nem ela se propõe a adentrar em suas esferas mais esotéricas. Minha impressão de leitura é que, embora Marie-Louise o explore de forma original e profícua, ela se detém justamente na fronteira da significação do texto alquímico - justamente o objeto das práticas em Gurdjieff. Por isso, em alguns momentos – e peço perdão pela imodéstia -, como aprendiz de Gurdjieff sinto que compreendo mais do que a autora.

Bem, com todo esse material em mãos, é preciso começar a trabalhar sem demora... Comecemos fazendo as perguntas que sempre quisemos fazer, mas o método oriental do mestre não nos permitia querer cortar caminho. Perguntemos, enfim: o que se pretende ao fim desse trabalho? (Há nos "Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido" um capítulo dedicado a especulações que os discípulos fazem sobre a meta de cada um quanto ao trabalho, mas nada é respondido). Quais são os pressupostos para que alguém o empreenda? Quais são os riscos? E se eu não conseguir? Como isso tudo dialoga com os conceitos do cristianismo, tão firmemente arraigados em grande parte de nós? Por exemplo, se para mim faz grande sentido o conceito de “pecado”, o que significa “pecado” dentro da linguagem do ensinamento? Quando se pertence a um grupo sob a orientação de um mestre, quais etapas do trabalho alquímico estamos realizando em nós? Em que ponto dessas etapas estamos agora, pressupondo que, embora pertencendo ao grupo, cada membro realiza em si mesmo o seu próprio trabalho? Do ponto de vista dessa grande teoria alquímica, o que é o corpo? Da mesma forma, o que são os cinco centros e como estes se relacionam com a Alma, com o Corpo e com o Espírito? O que quer dizer “unificar os três centros”? Qual o papel desempenhado pelo centro magnético e a partir de qual etapa ele se constela? O que seria equivalente ao conceito da pedra filosofal?

E assim por diante, perguntas e mais perguntas para as quais a vida inteira será bem vivida se a empregarmos buscando as devidas respostas.

Recomendo a leitura:
Marie-Louise von Franz, "A Alquimia e a Imaginação Ativa",  Cultrix, 1998