“A ALQUIMIA E A IMAGINAÇÃO ATIVA” – Instrumentos para
estudar as ideias contidas em Gurdjieff.
Ao ler os livros que o Sr.
Gurdjieff nos legou, sobretudo os “Relatos de Belzebu a seu Neto” surge
inequívoca a sensação de que todo o seu ensinamento se baseia na Alquimia.
Porém, como estabelecer esse paralelo, se os antigos textos da alquimia têm uma
linguagem estranha a nós, que além de propositalmente enigmática, vem de um
tempo anterior à psicologia e à ciência?
Acredito que uma forma de fazer essa aproximação seja
através da interface da psicologia de Jung com as leis da alquimia. Carl Jung
construiu toda a sua obra monumental estudando e traduzindo antigos textos
alquímicos, e muitos dos conceitos que introduziu na psicologia provêm daqueles
registros. Sua principal discípula e colaboradora, Marie-Louise Von Franz, em
1969 proferiu uma série de palestras que foram transcritas e transformadas em
livro sob o título “A Alquimia e a Imaginação Ativa”(*).
O trabalho de Von Franz constitui uma ferramenta preciosa
para nos aproximarmos do ensinamento de Gurdjieff, justamente na medida em que
toma como objeto de estudo um texto alquímico de Dorn, discípulo de Paracelso,
traduzindo-o à luz dos inegáveis avanços de Jung no conhecimento da psique e
seu funcionamento. Uma das vantagens desse método comparativo é que muitas das
teorias junguianas são bastante compreensíveis para nós, algumas até bem
familiares, como a sincronicidade, o inconsciente coletivo, as projeções, a
leitura dos sonhos, a imaginação ativa, etc. Esses conceitos ocidentais
modernos podem nos aproximar das ideias contidas nos ensinamentos desde que
observemos a devida perspectiva e a diferença da linguagem. Jung traduziu os
alquimistas buscando entender a psique do homem; Gurdjieff utiliza-se em
diversos momentos da linguagem dos alquimistas para definir objetivamente, isto
é, enquanto ciência objetiva, o Homem e o seu papel dentro do Todo.
Guardadas as devidas proporções entre a psicologia de Jung e
o ensinamento esotérico de Gurdjieff quanto ao âmbito do conhecimento a que
pertencem, muitos paralelos podem ser traçados. O raio de criação, os sete
graus de evolução do homem, a correspondência entre macrocosmo/universo e
microcosmo/homem, as diferentes etapas da “obra” que corresponde à separação,
purificação e finalmente solução, bem como a correspondência dessa obra nos
materiais naturais (metais) e internamente, no homem; a meta final de unificar
os três elementos - espírito, anima e corpo, ou os três centros – mental,
emocional e motor, e muitos outros... Percebemos
que são conceitos de uma sabedoria humana antiquíssima, perdida e reencontrada
muitas vezes, captada pelos alquimistas e abandonada quando do advento da
ciência química convencional. De alguma forma esses elementos foram apreendidos
e decodificados por Jung na elaboração de sua teoria psicológica, a qual, por
essa razão, deriva de bases sólidas. Gurdjieff baseou-se neles para formular
seu ensinamento ao homem ocidental moderno, tendo-os desenvolvido largamente
após experimentar em si mesmo etapas avançadas da “obra alquímica”, a cujo
resultado ele chama de “homem desperto”.
Pensamos que é possível confrontar os conceitos similares
dos alquimistas, de Jung e de Gurdjieff, o que seria acender mais um facho de
luz na escuridão. Evidentemente, as críticas dessa notável cientista não
esgotam toda a significação do texto alquímico, nem ela se propõe a adentrar em
suas esferas mais esotéricas. Minha impressão de leitura é que, embora
Marie-Louise o explore de forma original e profícua, ela se detém justamente na
fronteira da significação do texto alquímico - justamente o objeto das
práticas em Gurdjieff. Por isso, em alguns momentos – e peço perdão pela
imodéstia -, como aprendiz de Gurdjieff sinto que compreendo mais do que a
autora.
Bem, com todo esse material em mãos, é preciso começar a
trabalhar sem demora... Comecemos fazendo as perguntas que sempre quisemos
fazer, mas o método oriental do mestre não nos permitia querer cortar caminho.
Perguntemos, enfim: o que se pretende ao fim desse trabalho? (Há nos "Fragmentos de Um Ensinamento Desconhecido"
um capítulo dedicado a especulações que os discípulos fazem sobre a meta de
cada um quanto ao trabalho, mas nada é respondido). Quais são os pressupostos
para que alguém o empreenda? Quais são os riscos? E se eu não conseguir? Como
isso tudo dialoga com os conceitos do cristianismo, tão firmemente arraigados em
grande parte de nós? Por exemplo, se para mim faz grande sentido o conceito de
“pecado”, o que significa “pecado” dentro da linguagem do ensinamento? Quando
se pertence a um grupo sob a orientação de um mestre, quais
etapas do trabalho alquímico estamos realizando em nós? Em que ponto dessas
etapas estamos agora, pressupondo que, embora pertencendo ao grupo, cada
membro realiza em si mesmo o seu próprio trabalho? Do ponto de vista dessa
grande teoria alquímica, o que é o corpo? Da mesma forma, o que são os cinco
centros e como estes se relacionam com a Alma, com o Corpo e com o Espírito? O
que quer dizer “unificar os três centros”? Qual o papel desempenhado pelo
centro magnético e a partir de qual etapa ele se constela? O que seria equivalente
ao conceito da pedra filosofal?
E assim por diante, perguntas e mais perguntas para as quais
a vida inteira será bem vivida se a empregarmos buscando as devidas respostas.