SER NOVO
Todo
semestre chegam à Escola novos participantes para assistir às palestras e
formar um grupo específico, destinado à introdução de possíveis novos membros.
Dentre estes, que chegam motivados por várias circunstâncias, a maioria não
deixará de ser um visitante esporádico da Escola, e tão logo encontre coisa
mais importante para fazer naquele horário, deixará de frequentá-la, sendo que a
procurará novamente no futuro se levou dela boas impressões afetivas; se fez
amigos; caso contrário esquecerá a experiência no meio dos seus muitos
currículos. Alguns poucos, no entanto, desde esse primeiro contato são tomados
pela urgência de prosseguir no conhecimento desse sistema tão diferente de
ideias e que propõe para o ser humano algo nunca visto, porém reconhecido no
íntimo do seu ser como sendo verdadeiro e válido. Estes passarão a ser membros
da Escola, cada qual, porém, à sua maneira, dentro de suas possibilidades e de
suas metas. Nesse primeiro grupo introdutório, há ainda pessoas que se sentem
chocadas com o inusitado do que lhes é apresentado, e principalmente com a
forma como isto é feito; sentem-se deslocadas, desconfortáveis e até
pessoalmente ofendidas e tenderão a fugir da Escola como o diabo da cruz.
Este
semestre eu tive a oportunidade de presenciar uma cena com uma delas,
hilariante, se não fosse dramática para a protagonista. A moça terminou de
assistir à palestra do primeiro dia e chegou toda afobada à recepção. Foi
tirando as luvinhas (era uma noite muito fria) e pensei que ia agredir com elas
o nosso pobre Osvaldo. Disse-lhe em tom autoritário, visivelmente irritada:
-
Então, aqui é assim, é? Eu venho, assisto à palestra e vou embora?
-
É assim – respondeu Osvaldo.
-
Ninguém senta com você pra te explicar nada?! É assim? E eu vou continuar vindo,
vindo...?
-
Se você gostar – disse Osvaldo. – É pessoal e intransferível.
-
E daqui a dez anos eu ainda vou continuar vindo? Não vão formar grupos com a
gente, nada?!
-
Mas você está vindo pela primeira vez...
Ela
não se conformava. Calçou as luvas outra vez, resmungando enigmaticamente:
-
É escola, né? Esse é o problema da escola...!
Nesse
instante entrou um grupo de pessoas na sala e a moça deixou de ser o único foco
de atenção. Ela revirava nas mãos o DVD do filme “Encontros com Homens
Notáveis”, por fim decidiu-se, devolveu o filme ao balcão e disse, erguendo o
queixinho com arrogância:
-
Se eu resolver, qualquer dia eu volto! – e deu meia volta.
Aquela
sala de recepção é de fato um lugar especial na Escola. É nela que se dão
embates como este, entre o mundo lá fora e o mundo do “trabalho”. É o campo de
batalha do Osvaldo que, como sempre, soube agir à altura da situação. Também
ouvi de um dos novos, aquela noite, o seguinte comentário:
-
Falaram a mesma coisa de vinte anos atrás; não mudou nada.
Esse
rapaz, que já havia vindo à Escola em diversas ocasiões, mostrava que ainda era
incapaz de ser surpreendido, de ser tocado, de ser sacudido em seus alicerces.
Para ele, como para muitos, trata-se apenas de um sistema filosófico, capaz de
melhorar sua qualidade de vida da mesma forma que comer verduras ou ir à igreja
aos domingos. E que lhe dá, como benefícios imediatos, palestras inteligentes,
relacionamentos e boas risadas.
Na
Escola há lugar para todos esses diferentes participantes e para muitos outros
tipos. Todos são acolhidos e a ninguém é negado o conhecimento na medida em a
pessoa está pronta para receber. Mas a maioria das pessoas que a frequentam, de
um modo ou de outro, está longe de perceber que a Escola não é nada disso; não
é um clube social, não é uma escola de formação em Gurdjieff, não é uma
catequese, não é um lugar de produção de fenômenos paranormais, etc, etc. A
Escola é muito mais do que tudo isso, ela é uma verdadeira revolução, uma
transformação radical em nosso ser e em nossa realidade. Sua finalidade última
– à qual só se chegará por vontade própria e dependendo de suas próprias
possibilidades – é uma alquimia correspondente àquela pela qual passou
Castanheda com Dom Juan no deserto, sob o efeito de poderosas experiências
sensoriais. A diferença, aqui, é o grande mérito de George Ivanovitch
Gurdjieff, que nos trouxe essa possibilidade na medida do nosso ser ocidental
atual, exatamente dentro da vida que nós levamos. Não precisamos mais ter um
contato brutal com as forças naturais, nem seguir sombrios caminhos de
alteração de consciência para acessar essa trilha comprida que leva finalmente
à Verdade e que é chamada de Quarto Caminho. Basta seguir a organização da
Escola e trabalhar.
As
pessoas que chegam de fora não percebem que não há falta de organização aqui,
mas que a organização é outra, desconhecida para elas. Tampouco percebem que
não há falta de consideração, como alguns sentem, nem desrespeito às suas
personalidades e seus feitos no mundo. Se elas persistirem na busca dessa
compreensão (vindo, vindo...), aos poucos poderão se dar conta de que toda
consideração por parte dos mestres é dada a cada um dos participantes, mas não
consideração à persona, que é sua
máscara social, e sim à essência do seu ser, que nem elas mesmas conhecem ou
respeitam. Se persistirem, poderão, aos poucos, ver desabrochar esse ser novo e
desconhecido para elas, e sua completamente nova realidade.
Márcia Ka
Foto: Deserto de Sonora, México.
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