quinta-feira, 8 de agosto de 2024

BURACOS DE MINHOCA

 



 

Nós, os velhos, descobrimos há muito tempo o que a ciência, a moderna física ainda peleja para comprovar. Existem mesmo os chamados 'buracos de minhoca' no tecido do espaço-tempo. Nós viajamos sempre através desses buracos que ninguém além de nós vê. Se não fosse por isso, como poderíamos sobreviver? O tempo comum se aperta cada vez mais em volta do nosso pescoço a ponto de nos sufocar. Não temos espaço também para viver. Todos os lugares que ocupávamos nos foram proibidos. Os velhos atrapalham, com sua lentidão para acompanhar o assunto das conversas, sua mania de repetir o já dito e sabido, sua tendência às queixas constantes. Por isso nos relegaram a espaços minúsculos, onde ninguém precisa quase nos ver. E como protestar? O que alegar em nosso favor? Ah, a sabedoria da velhice... Essas que foram pulverizadas pelos saberes tecnológicos e as comunicações e já se tornaram obsoletas? Ah, a gratidão pelo que eles outrora fizeram por vocês... Essa gratidão que já não é natural, depois que para todo e qualquer comportamento existe uma explicação dos especialistas e tudo é visto como resultado de transtornos, complexos e neuroses? Como ser grato a quem fez o que fez pelos mais jovens levado por algum determinismo das circunstâncias e da personalidade? Por isso já não há gratidão pelos velhos, nem aprendizado. Nada sobrou para nós, depois que não precisamos mais vender nossa alma para ganhar a vida. O tempo se apertava cada vez mais, as paredes foram se fechando.

Foi então que, procurando desesperadamente uma saída, descobrimos os buracos de minhoca que se pensava que existissem só na ficção científica. É claro que foi uma mulher, uma velha a primeira e embarcar num deles e voltar para ensinar aos outros. Ela não tinha mesmo nada para fazer e foi fazer o impossível. No que consistem esses fabulosos túneis e onde se encontram?

Nada mais fácil de responder: eles estão por toda a parte, ao alcance de qualquer um. Através deles podemos viajar no tempo. E viajando no nosso tempo, aquele que nos pertence por direito, podemos recuperar aquele instante da vida que foi desperdiçado como um vinho rico esquecido no fundo da taça...!

Por exemplo: se vejo uma criança encantadora empurrando um carrinho de bebê com seu urso de pelúcia, basta fechar os olhos e mergulhar fundo no espaço infinito que existe no coração. Em pouco tempo estou aterrissando no planeta no instante exato da minha visagem. Lá ainda sou a mamãe de dois bebês lindos, diante dos quais me derreto completamente como sorvete em água morna... É assim que os velhos aprenderam a viajar. Vamos para esse tempo-espaço intangível entrando num desses buracos de minhoca. E estamos mesmo lá.

Isso me lembra um conto de Jack London que li há muito tempo, de cujo nome já não me lembro, no qual o protagonista é um prisioneiro condenado à morte, em uma solitária. Ele descobriu como escapar. Todas as noites, ao cair no sono, viajava para outras vidas e as vivia com tal intensidade que ao despertar custava a se lembrar quem era no presente, onde estava e quando. Pois é assim mesmo que acontece conosco, nós velhos condenados ao esquecimento e despojados de tudo o que já foi importante para nós: o carinho, o interesse pela nossa conversa, os convites e, claro, a convivência, ou seja, tempo. Em lugar disso nos querem deixar como consolo o tal respeito pelos cabelos brancos, a manutenção de cuidados e outras bobagens que só quem não tem mais vida pode receber com gosto. Aos poucos fomos sendo higienizados e dobrados como embalagens descartáveis.

A solução que encontramos é mágica! Viajar pelos buracos de minhoca do espaço-tempo. Eles estão aí disponíveis o dia inteiro, em cada encontro, cada sorriso, um trabalho bem-feito, um gatinho, uma comida gostosa, uma paisagem da janela... Rotina é uma palavra que perdeu o sentido para nós. Outro dia, no café da manhã, eu me transportei a todos os 'cafés de sábado' da minha vida, maravilhosos, com sua qualidade perfeita para aquelas conversas intermináveis, com as manas, com as filhas, com o marido; as trocas, as filosofias - eu acho isso, e você?, coisas aprendidas, histórias que não tinham fim e que iam construindo um fio que nos ligava a todos. Cada momento do dia se torna infinito quando damos esse mergulho. Dizem que os velhos vivem de recordações, que vivem no passado morto e se desinteressam pelo presente vivo. Nada mais equivocado. Para nós, o presente é que é morto, vazio e plastificado como uma duração. Em compensação, as nossas viagens no tempo... Ulalá! É onde reencontramos nossa beleza no espelho, nossa força para remover montanhas se elas interferissem no bem-estar da nossa família, nossa fé na vida, nossa alegria... Oh Deus! Os caminhos estão novamente abertos, graças aos buracos de minhoca do nosso coração. Agora somos de fato eternos.

 FIM

Imagem: The Starry Night, Van Gogh

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Um comentário:

  1. Envelhecer, pra mim está sendo uma constante revisão e renovação do olhar sobre a vida. Perdas e ganhos! Porém com a motivação e a crença de estar fazendo certa contribuição no grande caldeirão da Vida, do qual todos nos servimos. Entrar nos “buracos de minhoca” das lembranças e da imaginação pode ser uma forma de fazer essa renovação e essa contribuição, e se sentir feliz com isso!❤️

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