segunda-feira, 29 de julho de 2024

HIPERFOCO, o gerenciamento da atenção

 

Baseado no livro Hiperfoco, de Chris Bailey[i].

 


Para começar a falar sobre o livro, noto que o subtítulo não faz jus ao conteúdo: "Como trabalhar menos e render mais". Parece um manual para executivos focados em produtividade. Na verdade, é muito mais do que isso. Há um comentário na contracapa que bem poderia ser o subtítulo e que eu gostaria de tomar como núcleo para esta resenha:

"Tornar-se mais produtivo não tem a ver com gerenciamento do tempo, mas sim com gerenciamento da atenção” (Adam Grant).

Quem estudou algo sobre o Quarto Caminho, um ensinamento milenar traduzido para a mente ocidental por G.I.Gurdjieff e P.Ouspenski na primeira metade do século XX, entende que uma evolução real do ser humano só é possível através do trabalho interior, e que esse trabalho conjuga basicamente um esforço de autoconhecimento e o desenvolvimento de uma vontade real, que nada tem a ver com desejos. Ora, seguir um trabalho interior só é possível por meio de um gerenciamento eficiente da atenção. E, surpresa! Atenção é o artigo mais em falta nesta época cheia de estímulos em que vivemos. Como, então, trabalhar interiormente no sentido de tornar-se o Eu Real e cumprir nossos desígnios, ao invés de passar a vida adormecidos?

A atenção é o nosso instrumento primordial, é o nosso polegar opositor, o que verdadeiramente nos distingue dos animais. Nesse sentido, o livro de Chris Bailey não é apenas um manual para gerenciar melhor as tarefas da empresa e ser mais produtivo. Ele abrange muito mais que a esfera meramente profissional. Saber gerenciar o foco da nossa atenção é indispensável para desenvolver nossos potenciais e metas de vida, e assim crescer como indivíduos.

É nessa direção que me propus a dar uma pequena amostra do que trata o livro, dentro do meu aproveitamento pessoal. Espero que ele possa atingir muitas pessoas com a luz que trouxe para meu próprio modo de pensar.

***

Nossa vida é constituída por aquilo em que pomos nossa atenção. E o que nos impede de colocar nossa atenção naquilo que é bom para nós, para o nosso trabalho, nossa saúde, nossos relacionamentos? Enfim, para nossas metas na vida? A verdade é que nossa atenção tem a qualidade de uma borboleta, que vai para onde quer, sem foco nem constância. Certamente existe um propósito para a borboleta pousar de flor em flor para obter todo o néctar que puder: esse é o seu foco mais eficiente. Mas para nós, humanos, saltar de uma tarefa a outra, de uma distração a outra nos deixa com uma sensação de frustração por não conseguirmos concluir nada. Sentimos que nosso potencial está sendo desperdiçado e, como a vida é uma só, nossa vida está sendo desperdiçada.

O mais dramático dessa situação é que hoje em dia ela é a base comum em que todos nos movemos, não importa qual seja nossa ocupação. Nossos smartphones, as plataformas de multimídias, as ofertas de diversão tão valorizadas para nossa inserção nos grupos sociais - tudo isso sequestra nossa atenção o tempo todo. Quando nos lembramos do que queríamos ou pretendíamos fazer, dizemos que "não temos tempo".

O livro de Bailey vem nos mostrar algo muito simples, mas fundamental como o ovo de Colombo.

Pensemos quantas vezes, quando estamos nos divertindo ou simplesmente relaxando, nos cobramos por não estar fazendo algo útil? E quantas vezes, na mão contrária, lamentamos o tempo que temos de trabalhar ao invés de tirarmos umas boas férias, fazer algo agradável ou ficar no ócio? Somos assim mesmo, nunca estamos plenos naquilo que fazemos. Mas isso é pelo fato de não entendermos em qual modo nossa atenção está. O autor de Hiperfoco afirma que temos dois tipos principais de foco: o Hiperfoco, que é como ele chama a concentração num dado assunto, trabalho, situação, etc., e o Foco Disperso, que é o modo de atenção vaga, ou distribuída, digamos, por aquilo que acontece à nossa volta ou no nosso interior, sem um alvo definido. Assim, trabalhar é estar no hiperfoco; divagar é estar no foco disperso.

É fácil exemplificar. Enquanto escrevo esta resenha estou em Hiperfoco, concentrada nas ideias que absorvi e que poderão traduzir o essencial do livro para quem não o tiver lido. Daqui a pouco vou me sentar para almoçar na companhia de alguém, certamente vamos apreciar a comida, o ambiente, conversar sem objetivo, ouvir música. Eu então estarei no modo que o autor chamou de Foco Disperso. Parece óbvio, mas antes de poder gerenciar é preciso reconhecer claramente o modo de funcionamento da nossa mente. Isso significa estar presente, viver no presente, que é, em última instância, o único significado de estar vivo. Só nos lembramos daqueles momentos em que estivemos presentes, conscientes de nós.

Grande parte do livro é dedicado a conselhos e dicas para ficar em Hiperfoco, driblando as distrações. Num estilo popular, Bailey vai desfiando estratégias, como deixar o telefone celular fora da sala de trabalho, ou no modo avião, para não ser interrompido por mensagens, e-mails e publicidade; permitir-se pausas para recarregar as energias mentais e outras. Nada de muito novo, a não ser algo fundamental: precisamos nos planejar. Nosso cérebro tem uma capacidade enorme de desempenho se o mandamos fazer algo. Uma mente ociosa vai naturalmente vagar ou andar em círculos, como, perdoem a comparação, um cachorro sem dono. Determinar para nós mesmos o que vamos fazer, e em que horário vamos fazer, é o começo de uma nova vida, menos frustrante e mais satisfatória.

Mas é sobre o  desprestigiado Foco Disperso que recebemos uma grande notícia. Somente quando não for intencional é que ele será nocivo ou pura perda de tempo. Lembram-se dos antigos aconselhamentos de ter “pensamento positivo”? Penso que era isso o que se estava intuindo, mas ainda sem entender que o pensamento positivo ou negativo se referia ao Foco Disperso. Bailey faz essa distinção, mostrando que nem toda divagação é inútil. Pelo contrário, ele mostra o quanto necessitamos desses momentos de foco disperso. Às vezes é nesse foco que enxergamos num relance a solução de problemas que parecíamos não ver quando estávamos debruçados sobre eles. É no Foco Disperso também que as ideias isoladas se conectam em nossa mente, solidificam nosso conhecimento e formam as bases para a criatividade. Nunca mais o tal diabinho em nosso ombro direito vai nos criticar por obedecer ao do ombro esquerdo e sair para dar uma longa caminhada na natureza, sem motivo ou razão aparente, simplesmente por... nada. Aliás, já repararam como, agora que temos uma câmera fotográfica disponível no celular, não resistimos à tentação de fotografar tudo o que vemos durante nossas atividades no modo Foco Disperso? Não será um meio subconsciente para tentar justificar nosso ócio, dizendo a nós mesmos que temos, sim, uma finalidade? No nosso mundo distorcido, tudo parece só ter sentido se produzir algo, como uma foto para postar. Perdemos nossa capacidade de simplesmente sentir as coisas. Ao dar um passeio com a intenção de relaxar, por exemplo, ou de conhecer o lugar, ou de movimentar o corpo, estarei no modo Foco Disperso, mas motivado.  Dessa forma despreocupada, posso me manter intencionalmente conectada com as impressões que estiver recebendo do ambiente ou com meus próprios pensamentos, sentimentos e sensações. É quase uma forma de meditação.

O Foco Disperso pode, e deve, portanto, ser buscado intencionalmente. Ele é também uma poderosa fonte de recarga das nossas energias mentais. Há muitas coisas geralmente prazerosas que fazemos nesse foco: passeios, todo tipo de lazer, música, conversas, um hobby, uma leitura, e assim por diante. Tudo isso que é fundamental para nossa saúde mental, também vai determinar, na outra ponta, a boa qualidade do nosso trabalho em Hiperfoco. Como se os dois tipos de focos correspondessem à respiração. No Foco Disperso você recebe impressões e energia – é a inspiração. No Hiperfoco você expressa o resultado das conexões feitas em sua mente na forma de um trabalho – é a expiração.

Outra noção interessante do livro é a de “espaço atencional”. O que é isso? É tudo o que habita nossa mente num determinado momento, quer sejam impressões recentes ou informações já cristalizadas na forma de conhecimento. Nesse sentido, fazer muitas coisas em Foco Disperso tende a aumentar muito a abrangência do nosso espaço atencional, o qual estará muito mais recheado de coisas úteis que vamos necessitar na hora de fazer nosso trabalho em Hiperfoco. Percebeu a importância de ler, estudar, viajar? Tudo vai estar lá no seu espaço atencional quando precisar. Por outro lado, Bailey diz uma frase que grifei com lápis em meu livro: gente bem-sucedida cuida muito bem do que deixar ou não deixar entrar em seu espaço atencional. Se não queremos ter lixo em nossa casa, vamos deixar que entre lixo em nossa mente?

Por fim, recomendo a leitura para um aproveitamento mais didático das ideias de Bailey. Quantas horas e em que período vou me dedicar hoje a meu trabalho em Hiperfoco? Quais períodos dedicarei a atividades em Foco Disperso? Planejar o nosso dia ou nossa semana levando em conta em qual modo de foco estaremos nesta ou naquela tarefa é o princípio de um trabalho de organização interna. Sem ela, corremos o risco de chegar ao final da vida sentindo que carregamos um balde furado e não conseguimos transportar nada. O balde é a nossa atenção.

 

FIM

 Crédito da imagem: Edgardo K.


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[i] Bailey, Chris - Hiperfoco, editora Benvirá


3 comentários:

  1. Que ótima reflexão! Equilibrar os dois tipos de focos, disperso e hiperfoco é o equilíbrio perfeito.

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  2. Bem interessante. Chamo a atenção para uma expressão utilizada "passar a vida como adormecidos". Lembrou-me um livro que li há muito tempo: O Despertar dos Mágicos , de Louis Pawells e Jacques Bergier. Aliás, se não me engano, o livro faz referência a Gurdjieff. O livro apresentado na resenha parece bastante útil. Carlos

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  3. Senti-me aliviada por saber que não é de todo ruim a atenção dispersa e motivada por perceber a importância de nossa decisão ao escolher em que direcionar nosso foco. Obrigada!

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