terça-feira, 31 de outubro de 2023

Tirem os gatos da Índia, por favor

Crônica:          

Os bastidores de uma classe online.




           Desde as primeiras aulas, a dança clássica indiana passou a fazer parte da minha vida pelos seus vários aspectos, sendo ao mesmo tempo expressividade corporal, ginástica, dança, meditação em movimento e arte. A professora Krishna nem é de minha cidade, nem do meu Estado. Estamos bem longe. Mas toda semana, no horário combinado, ela aparece na minha sala que já está preparada: espaço vazio no centro, cortinas corridas, um tapete felpudo onde faço os exercícios de ioga e os passos da dança, uma mesinha para apoiar o computador. Meus dois gatos adoram esse tapete. E não perdem uma aula de dança. É só escutar o som das músicas indianas saindo do computador e eles se acomodam ao redor. Quando estou deitada de costas e me viro de um lado para o outro, girando os braços e as pernas, eles vibram, parecem pensar: Oh! Finalmente ela aprendeu como se faz. 

          Hoje eles já estavam esparramados no tapete enquanto eu esperava a aula começar. Aproveitei o tempo que faltava para escrever alguma coisa no teclado. Estava absorta, mas tive de interromper a escrita porque havia chegado a hora e o link para entrar na aula. Levantei-me da poltrona e, de pé, fui ajeitando o computador para que sua tela pudesse não só mostrar a professora, mas ela também pudesse me ver repetindo seus gestos. Esse arranjo não é muito fácil quando o espaço é pequeno: ou Krishna enxerga meu corpo e não vê meus pés; ou enxerga o corpo e os pés, mas não vê meus braços levantados realizando os mudrás, gestos importantes de mãos nesta dança. Se estou de pé, a tela fica numa posição; se faço exercícios deitada ou sentada, a telinha tem de ser movida. Mas é o único jeito, a não ser que se instale um monitor maior, suspenso na parede. Enquanto isso, vamos à dança. 

          Levanto-me, já dizendo bom dia para Krishna e fazendo nossa saudação à mestra sorridente. A tela ainda está um tanto baixa para que ela me veja, ergo-a um tantinho e dou um passo para trás... indo pisar diretamente em cima dos meus dois gatos escarrapachados no tapete e desprevenidos como dois anjinhos. Ambos começam a gritar e uivar desesperados, enquanto eu, no ar, em plena queda lenta, sem enxergar onde estou pisando, não consigo simplesmente tirar o pé que os está esmagando porque não consigo me firmar. Finalmente caio sentada no tapete e os dois escapam como raios. Consternada, nem consigo saber qual dos dois eu machuquei mais. O gato pareceu mais traumatizado, mas foram chumaços de pelos brancos da gata, resultado do acidente, que eu recolhi pelo tapete. A professora na tela me olhava, a linda música tocando ao fundo, sem entender bem o que tinha acontecido.

          - Caí em cima dos gatos - falei, desconcertada. 

          Com sua delicadeza habitual, ela riu junto comigo e deu início à aula. Os gatos ficaram na porta, espiando só de longe. A aula até foi bem produtiva, apesar da minha agitação inicial e a cena de comédia. Só espero que o zoom não a tenha gravado! Tirem os gatos da próxima vez, please.



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