sábado, 22 de março de 2025

Aéreos

Aéreos


Na verdadeira linha de montagem na qual nos movemos dia após dia - tendo que ser sempre produtivos, orientados, definidos como se fôramos um objeto etiquetado e útil -, algumas situações nos colocam frente a frente com nosso Eu completamente marginalizado. E é uma delícia!

Por exemplo, quando você está num portão de embarque no aeroporto, você não está em lugar nenhum. Não está mais na cidade ou país desde o instante em que se despediu de sua bagagem e passou pelas esteiras de sensores. Agora você está à espera. Dentro de algumas horas você estará lá,  mas agora, quase não está mais aqui. Você é um ser passageiro. Uma condição especial que será bom aproveitar, se puder. Aquele Eu viajante que exercitamos no estrangeiro já está começando a se diluir. Em breve será apenas parte de nossas recordações. Mas o Eu rotineiro ainda não assumiu seu comando feroz sobre nossos pensamentos e emoções mais familiares. Somos nós e o outro, somos várias possibilidades de nós mesmos, enriquecidos pela cultura, a língua e a história de outros, passados e futuros, onipresentes e aéreos. 

Se nesse entreato uma ideia meio doida aterrissar, deixe! Se lembranças desconexas se projetarem diante de seus olhos num mosaico abstrato como um sonho, sem comparação com nada que já tenha visto, apenas observe, não impeça o artista. Por apenas essas poucas horas vivamos a delícia de ser maiores do que o quadrado da nossa persona, nos descolar de nós mesmos. E decolar.💭

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