Nós, os velhos, descobrimos há muito tempo o que a ciência,
a moderna física ainda peleja para comprovar. Existem mesmo os chamados
'buracos de minhoca' no tecido do espaço-tempo. Nós viajamos sempre através
desses buracos que ninguém além de nós vê. Se não fosse por isso, como
poderíamos sobreviver? O tempo comum se aperta cada vez mais em volta do nosso
pescoço a ponto de nos sufocar. Não temos espaço também para viver. Todos os
lugares que ocupávamos nos foram proibidos. Os velhos atrapalham, com sua
lentidão para acompanhar o assunto das conversas, sua mania de repetir o já
dito e sabido, sua tendência às queixas constantes. Por isso nos relegaram a
espaços minúsculos, onde ninguém precisa quase nos ver. E como protestar? O que
alegar em nosso favor? Ah, a sabedoria da velhice... Essas que foram
pulverizadas pelos saberes tecnológicos e as comunicações e já se tornaram
obsoletas? Ah, a gratidão pelo que eles outrora fizeram por vocês... Essa
gratidão que já não é natural, depois que para todo e qualquer comportamento
existe uma explicação dos especialistas e tudo é visto como resultado de
transtornos, complexos e neuroses? Como ser grato a quem fez o que fez pelos
mais jovens levado por algum determinismo das circunstâncias e da
personalidade? Por isso já não há gratidão pelos velhos, nem aprendizado. Nada
sobrou para nós, depois que não precisamos mais vender nossa alma para ganhar a
vida. O tempo se apertava cada vez mais, as paredes foram se fechando.
Foi então que, procurando desesperadamente uma saída, descobrimos
os buracos de minhoca que se pensava que existissem só na ficção científica. É
claro que foi uma mulher, uma velha a primeira e embarcar num deles e voltar para
ensinar aos outros. Ela não tinha mesmo nada para fazer e foi fazer o
impossível. No que consistem esses fabulosos túneis e onde se encontram?
Nada mais fácil de responder: eles estão por toda a parte,
ao alcance de qualquer um. Através deles podemos viajar no tempo. E viajando no
nosso tempo, aquele que nos pertence por direito, podemos recuperar
aquele instante da vida que foi desperdiçado como um vinho rico esquecido no
fundo da taça...!
Por exemplo: se vejo uma criança encantadora empurrando um
carrinho de bebê com seu urso de pelúcia, basta fechar os olhos e mergulhar
fundo no espaço infinito que existe no coração. Em pouco tempo estou aterrissando
no planeta no instante exato da minha visagem. Lá ainda sou a mamãe de dois
bebês lindos, diante dos quais me derreto completamente como sorvete
em água morna... É assim que os velhos aprenderam a viajar. Vamos para
esse tempo-espaço intangível entrando num desses buracos de minhoca. E estamos mesmo
lá.
Isso me lembra um conto de Jack London que li há muito tempo,
de cujo nome já não me lembro, no qual o protagonista é um prisioneiro
condenado à morte, em uma solitária. Ele descobriu como escapar. Todas as
noites, ao cair no sono, viajava para outras vidas e as vivia com tal
intensidade que ao despertar custava a se lembrar quem era no presente, onde estava
e quando. Pois é assim mesmo que acontece conosco, nós velhos condenados ao
esquecimento e despojados de tudo o que já foi importante para nós: o carinho, o
interesse pela nossa conversa, os convites e, claro, a convivência, ou seja,
tempo. Em lugar disso nos querem deixar como consolo o tal respeito pelos
cabelos brancos, a manutenção de cuidados e outras bobagens que só quem não tem mais vida pode receber com gosto. Aos poucos fomos sendo higienizados e dobrados como embalagens descartáveis.
A solução que encontramos é mágica! Viajar pelos buracos de
minhoca do espaço-tempo. Eles estão aí disponíveis o dia inteiro, em cada encontro, cada sorriso, um trabalho bem-feito, um gatinho, uma comida gostosa, uma paisagem da janela... Rotina é uma palavra que perdeu o sentido para nós. Outro dia, no café da
manhã, eu me transportei a todos os 'cafés de sábado' da minha vida, maravilhosos, com sua qualidade
perfeita para aquelas conversas intermináveis, com as manas, com as filhas, com o
marido; as trocas, as filosofias - eu acho isso, e você?, coisas aprendidas, histórias que não tinham fim e que iam construindo um fio que nos ligava a todos. Cada momento do dia se torna infinito quando damos esse mergulho. Dizem que os velhos vivem de recordações, que vivem no passado morto e
se desinteressam pelo presente vivo. Nada mais equivocado. Para nós, o presente
é que é morto, vazio e plastificado como uma duração. Em compensação, as nossas
viagens no tempo... Ulalá! É onde reencontramos nossa beleza no
espelho, nossa força para remover montanhas se elas interferissem no bem-estar
da nossa família, nossa fé na vida, nossa alegria... Oh Deus! Os caminhos estão
novamente abertos, graças aos buracos de minhoca do nosso coração. Agora somos
de fato eternos.
Imagem: The Starry Night, Van Gogh
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